Já vi muita gente contando as próprias misérias: “sou orgulhoso”, “desordenado”, “impulsivo”, “ciumento”, mulherengo, etc, etc. Não me recordo de alguém que tenha dito que é invejoso. Curioso, não é mesmo? Será que a inveja está realmente tão longe de nós?
Padre Francisco Faus aborda o tema em um opúsculo da editora Quadrante intitulado “A Inveja”. Hoje, aqui no site, vamos colocar alguns excertos dele. Importante porque contribui para que nos conheçamos. Afinal, como diz o autor, se entendermos os males da inveja, poderemos “deixar de andar angustiadamente atrás de uma felicidade ilusória” e “achar a felicidade verdadeira e compartilhá-la com os outros”. (V.O.)
Passemos ao texto.
“A inveja é triste. O invejoso é infeliz. Se deixarmos esse vício tomar conta de nós, o coração perde a capacidade de alegria, A pessoa invejosa anda triste, vive amargurada. O seu coração é como um buraco negro, que engole e anula todas as alegrias que lhe batem à porta, todas as luzes de felicidade possível que o convidam a sorrir.
Não há ninguém que, voluntariamente, queira ser invejoso ou deseje passar pelos sofrimentos que a inveja traz consigo, mas infelizmente são muitos, muitíssimos, os que padecem desse mal – mesmo que não o reconheçam de modo algum – e sofrem as suas consequências demolidoras.
Se conseguíssemos extirpar da nossa alma a inveja, seríamos muito mais felizes, os nossos olhos se abririam, e passaríamos a descobrir inúmeras riquezas da vida, do mundo e dos outros que, agora, a inveja nos impede de perceber e desfrutar” (op.cit.p (op.3).
Que é a inveja?
“Há uma definição de inveja que já é clássica: “A inveja é a tristeza sentida diante do bem do outro” (1). Definição curta e simples, que começa por afirmar que a inveja é um tipo de. Mas não é uma tristeza qualquer. De modo geral, as nossas tristezas são causadas por um mal (pelo menos nós o consideramos um mal):pode ser um acidente, um fracasso, uma doença, a perda de uma pessoa querida, etc. A inveja, pelo contrário, é causada por um bem, um bem alheio, que nós consideramos como um mal, simplesmente porque não o temos.
Quase todos os bens alheios podem ser motivo de inveja.
Podemos ficar tristes pelo que os outros são: alegres, simpáticos, inteligentes, fortes, hábeis, etc. A moça feia inveja a moça bonita, o baixo inveja o alto, o curto de inteligência inveja o intelectual brilhante, o desajeitado inveja o habilidoso, a solteirona inveja as casadas.
Podemos ficar tristes pelo que os outros têm: dinheiro, prestígio, cargos, casas, fazendas, carros, viagens, diversões.
Podemos ficar tristes por verificar – ou imaginar – que os outros são mais queridos: que recebem mais carinho, mais atenções, mais mimo, mais dedicação do que nós. É o grande capítulo dos ciúmes.
E podemos ficar tristes por causa da felicidade que os outros demonstram e que nós não experimentamos. “É uma desgraça sem remédio odiar a felicidade alheia, dizia São Cipriano” (2).(op.cit. p.5,6).
(…)
Raízes da inveja
A inveja é como uma árvore, que tem raízes e frutos. Já dizia Aristóteles, com muito acerto, que a inveja procede da vanglória (6). São Gregório Magno, por sua vez, lembrava que a vanglória é a filha principal do orgulho (7). Aí, no orgulho e na vanglória, temos as raízes da inveja.
Convém entender que a vanglória, ou seja, a glória vã, é o vício que têm aqueles que, acima de tudo, desejam brilhar, destacar-se, salientar-se, ser mais do que os outros. Gente que não procura o bem, mas o brilho.
As pessoas boas, simples e honestas, têm aspirações legítimas de progredir – e lutam nobremente para isso -, sentem a justa satisfação de ganhar posições mais altas, conquistadas por sua competência e empenho perseverante, estão felizes de poder proporcionar aos filhos um futuro melhor.
Mas – e esse mas é importantíssimo –, para elas, subir, conquistar o apreço e a confiança, obter cargos, não é uma meta, não é o objetivo da vida: é apenas uma consequência natural, justa por certo, do seu amor ao trabalho bem feito, ao dever bem cumprido, quer seja o dever familiar, o profissional ou o social. As glórias coroam nelas o mérito, florescem naturalmente, mas não são questão de vida ou de morte. Essas pessoas continuariam a trabalhar, a cumprir o dever, a realizar com amor a sua missão, mesmo que não houvesse glória humana nenhuma nem agradecimento nesta terra. Basta-lhes o prêmio da boa consciência e a aprovação e o sorriso de Deus.
Para os orgulhosos, para os vaidosos, pelo contrário, a glória é uma meta que está acima de tudo. Têm que vencer, têm que subir, têm que sentir-se superiores aos outros. Por isso, se não podem subir por mérito próprio, caem na tentação de subir por meio de trapaças, aparências e fingimentos; ou pelo sistema de ficar por cima á base de afundar o outro. (op.cit. p. 12, 13).
Notas:
- Catecismo da Igreja Católica, n. 2359.
- S. Cipriano, De zelo et livore, n.9.
(…)
6. Aristóteles,Retórica, 2, c.9, n5.
7. São Gregório Magno, Moralia in Job, c.45.
Bibliografia: Faus, Francisco. São Paulo: Quadrante, 2000. (Temas cristãos; 94)