Fraternidade humana, S. Francisco e Controvérsias na hierarquia
Valter de Oliveira
O Papa Francisco terminou recentemente uma visita histórica ao Oriente Médio. Encontrou-se com líderes muçulmanos, bispos católicos e ortodoxos orientais e celebrou missa para a comunidade católica dos Emirados Árabes. A tônica foi defender a existência da minoria católica nas nações muçulmanas, aprofundar o diálogo inter-religioso, combater a violência no mundo, ressaltar a necessidade da fraternidade humana.
Cenas do Papa ao lado de autoridades muçulmanas, incluindo uma caminhada em que aparece de mãos dadas com um de seus anfitriões, foram destacadas e elogiadas pela mídia. Comoveram católicos e não católicos. O próprio Vaticano fez um paralelo de sua visita de paz com aquela feita por S. Francisco de Assis ao sultão Khamil, na Idade Média, em 1219.
Outro ponto muito importante foi uma declaração conjunta do Papa e do Grão Imame de Al-Azhar, Ahmad Al-Tayyeb, em defesa da fraternidade humana.
No geral tudo parecia ocorrer como previsto e desejado pelo Vaticano. Uma ponte de tolerância foi colocada entre cristãos e muçulmanos de modo a contribuir para que a paz no mundo seja mais efetiva. O conjunto pareceu profundamente promissor. Daí a grande simpatia com que foi visto.
Entretanto, houve reações adversas, e elas vieram de dentro da própria Igreja.
O que houve?
Na verdade, desde o início do pontificado do Papa Francisco, surgiram reações católicas adversas a certos pronunciamentos ou atitudes do Santo Padre. O problema é que elas não se limitam mais ao setor tradicionalista, conhecido por suas críticas ao Vaticano II e a alguns Papas. Agora as vozes discordantes estão também dentro das fileiras conservadoras. Famosos líderes católicos, no laicato e na hierarquia, têm publicamente declarado sua insatisfação diante do que consideram atitudes ambíguas do Pontífice. Insatisfação que também se estende a pronunciamentos e medidas pastorais de bispos e cardeais acusados de ambiguidade e até de heresia.
Tradicionalistas e conservadores descontentes também não admitiram o paralelo da visita papal com o episódio de S. Francisco na Idade Média. A razão é simples. S. Francisco fora visitar os muçulmanos em uma missão de paz, é verdade, mas nem por isso tinha deixado de destacar a veracidade da Igreja. Já no episódio atual os críticos dizem ter havido sinais de relativismo. Isso tanto em entrevistas quanto no Documento assinado pelo Papa.
A parte do documento criticada é a seguinte:
• A liberdade é um direito de toda a pessoa: cada um goza da liberdade de credo, de pensamento, de expressão e de ação. O pluralismo e as diversidades de religião, de cor, de sexo, de raça e de língua fazem parte daquele sábio desígnio divino com que Deus criou os seres humanos. Esta Sabedoria divina é a origem donde deriva o direito à liberdade de credo e à liberdade de ser diferente. Por isso, condena-se o fato de forçar as pessoas a aderir a uma determinada religião ou a uma certa cultura, bem como de impor um estilo de civilização que os outros não aceitam. (1)
Quem fez as críticas?
As mais importantes partiram do bispo auxiliar Dom Athanasius Schneider, bispo-auxiliar de Astana, Casaquistão, e do cardeal Gerhard Müller, ex-prefeito da Congregação da Doutrina para a Doutrina da Fé, nos pontificados de Bento XVI e do Papa Francisco (2). Seu papel, como é sabido, era defender a pureza da doutrina católica. Pois é ele, que tendo em vista uma somatória de questões que têm intranquilizado muitos fiéis, decide escrever um manifesto em defesa da fé. Suas preocupações também foram expostas em longa entrevista ao La nuova bussola quotidiana (3) também reproduzida aqui no site.
Claro está que o documento do cardeal causou muita repercussão. Também já sofreu crítica. Seus oponentes consideram que ele faz parte de um grupo de ressentidos que estão colocando em risco a unidade da Igreja. É o que afirma o cardeal Kasper. O problema é que este é um dos cardeais mais progressistas do clero alemão. Prelado que defende a comunhão para divorciados recasados (ainda que o primeiro casamento seja válido) e para cristãos não católicos…
O que pensar de tudo isso?
A resposta cabe a cada um dos leitores. Vejam o que está sendo discutido amplamente no seio da Igreja. Discussão aberta nos principais jornais e sites católicos internacionais. Claravalcister simplesmente reproduz uma pequena parte do debate. Este é muito maior e muito mais profundo.
As divergências e escândalos que presenciamos, como atestam claramente suas maiores autoridades, inclusive o Papa Francisco, demonstram a profunda crise que ocorre no interior da Igreja de Cristo. Diante dela não podemos fechar os olhos e nem nos omitirmos. Ela exige de nós Fé, confiança na Providência, oração e penitência, e uma profunda fortaleza. Só assim, e com muita união com Nossa Senhora, conseguiremos ser filhos fiéis no meio da tempestade.
Notas:
1.Para ver todo o documento clique aqui:
2. O cardeal foi Prefeito da Congregação entre 2007 e 2012.
3. É um jornal cotidiano on line. Seu diretor é Riccardo Cascioli.