A PAIXÃO DA IGREJA E OS SÍNODOS

Valter de Oliveira
  1. Introdução

“A Igreja Católica”, diz o Catecismo: “(…) é santa porque foi fundada por Jesus Cristo, que é santo; porque ensina, segundo a vontade de Cristo uma doutrina santa e oferece os meios para se levar uma vida santa, formando assim membros santos em todas as idades” (A fé explicada, Leo Trese, p. 124).

As palavras acima precisam ser bem entendidas. De nenhum modo significam que não há pecados no seio da Igreja. Nós, seus fiéis, somos seres humanos, de carne e osso, nascidos com pecado original, sujeitos à tríplice concupiscência. Também não significam que, fiados na promessa de Cristo e na assistência do Espírito Santo, possamos ficar impassíveis diante do mal no mundo e na Igreja.   Nem temos esse direito. Se a Esposa de Cristo permanece, e permanecerá, é porque sempre teremos quem a defenda, pela oração, pelo sacrifício, pela palavra, pelo exemplo.

Em seus dois mil anos de história Ela passou por muitas crises, sofreu muitos ataques, externos e internos. Houve muito sofrimento, muitas incompreensões, e grande número de seus filhos sofreu martírio pela fé. Assim, não é de causar espanto o que acontece hoje. Com efeito, apesar de todo o bem que proporcionou e proporciona ao mundo, está sendo ferida pela infidelidade de muitos que receberam a graça da verdadeira fé.  Uns claudicaram nos costumes e afundaram em um lodaçal de abominações. Outros, por suas heresias, claras ou veladas, separaram-se dos ensinamentos e do espírito de Cristo.  As feridas expostas fizeram com que, mais de uma vez, o cardeal Sarah levantasse a voz para exprimir toda sua dor:

Cardeal Robert Sarah

“Por que razão tomei de novo a palavra? No meu livro anterior, convidei-vos ao silêncio. No entanto, eu não posso calar-me. Eu não devo calar-me. Os Cristãos estão desorientados. Todos os dias, recebo de todos os lugares pedidos de ajuda de pessoas que já não sabem em que acreditar. Todos os dias, recebo em Roma sacerdotes feridos e desanimados. A Igreja atravessa a experiência da noite escura. O mistério da iniquidade envolve-a e cega-a”. (1)

Palavras lancinantes! Palavras de dor diante da Paixão da Igreja. Palavras de santa indignação diante da chamada “questão da pedofilia”, provocada pelo comportamento indigno e sacrílego de  inúmeros sacerdotes e bispos.

A questão não é nova. A novidade está em sua extensão e profundidade. Atingiu religiosos e prelados de várias partes do mundo. Escandalizou católicos que exigiram providências. Muito foi prometido, pouco realizado. Procurou-se a causa. Conservadores e tradicionalistas afirmaram que seria necessário ligar pedofilia com práticas homossexuais e, sobretudo destacar que nada disso seria possível sem a ausência de Deus. O Papa Francisco, por sua vez, dizendo-se envergonhado com tudo, levantou a questão do clericalismo. Este, ao provocar uma visão errada da obediência e do sagrado dentro da Igreja teria contribuído para que muitas vítimas não soubessem se defender de assédios e nem acusar, de imediato, seus agressores (2). O setor mais progressista da Igreja, de imediato rechaçou a eventual ligação entre homossexualidade e pedofilia e radicalizou seu posicionamento sobre o clericalismo. Conforme seus defensores, este não é apenas um tipo de mentalidade, é fruto da própria estrutura da Igreja, com sua hierarquia. Como tal só terminará quando estabelecermos um novo modelo de Igreja, democrática, mais igual. Em todos os sentidos.

Vozes que clamam no deserto?

Cardeal Walter Kasper

Há tempos acontecem pronunciamentos de grandes figuras do Episcopado e do laicato católico sobre erros doutrinários no clero. Poderíamos começar destacando as polêmicas causadas no Sínodo sobre a família. O cardeal Kasper e outros prelados destacaram-se por propostas relativistas. Não conseguiram a maioria exigida para que fossem adotadas. Contudo, após a publicação da Amoris Laetitiae, afirmaram que a encíclica tinha aberto caminho para a implantação de suas ideias. Não as entendiam como um rompimento com a doutrina católica já que afirmavam que estavam sendo fiéis ao novo espírito proposto pelo Papa. Outros bispos discordaram. Confusão nos meios católicos. Foi aí que quatro cardeais fizeram um primeiro pedido de esclarecimentos ao Sumo Pontífice sobre o modo correto de se entender a encíclica e a moral católica. Como é sabido a solicitação não foi respondida. Simplesmente recebeu algumas explicações e críticas de outros prelados.

Outro problema doloroso foi o escândalo da pedofilia. Escandalizou católicos e não católicos. Aumentou a crítica a bispos que não teriam atuado corretamente em punir os responsáveis e defender as vítimas. Logo depois houve quem denunciasse que a questão era mais ampla já que implicava na tolerância ao homossexualismo no seio do clero. A ala progressista reagiu. –“Nada disso!” exclamaram. “Não há relação entre uma coisa e outra”.  

A intervenção do Papa Emérito

O que a ala progressista não esperava, contudo, é que Bento XVI entrasse na polêmica com a publicação do texto “A Igreja e os abusos sexuais”, publicado em abril p.p. no qual ele explica o papel devastador da Revolução de 68 – com sua nefasta propagação da “liberdade sexual”. Afetou profundamente a sociedade. Penetrou na Igreja. Sua influência negativa, assevera Bento XVI, se fez sentir na formação dos futuros padres:

Papa Emérito Bento XVI

Em vários seminários foram estabelecidos grupos homossexuais que agiram mais ou menos abertamente, o que mudou significativamente o clima que se vivia ali. Em um seminário no sul da Alemanha, os candidatos ao sacerdócio e ao ministério leigo de agentes de pastoral  viviam juntos”. (3)

O texto do Papa Emérito foi apresentado aos Presidentes das Conferências Episcopais, reunidos no Vaticano a pedido do Papa Francisco para tratar da crise. Que efeito teve? Não sabemos.

Tendo em vista o agravamento da crise, cardeais, bispos, teólogos, católicos leigos importantes, começaram a pedir providências mais concretas ao Papa Francisco. Acontece que, disseram seus críticos, nem todos os pedidos teriam sido feitos de forma adequada. Teria havido desrespeito para com o Papa e falta de espírito da unidade da Igreja. Nada deveria ter sido dito publicamente. Quem tem razão? Em quais pontos? É certo dizer que a reação contra os erros na Igreja só poderia ter sido feita a portas fechadas? Foi sempre assim na história da Igreja?

O Sínodo da Amazônia

Dom Erwin Krauller e o padre alemão Paulo Suess que desejam “uma igreja com rosto indígena”

Passemos agora a tratar dos Sínodos.

Quando o Papa convoca um Sínodo o objetivo óbvio é consultar seus membros para que medidas positivas sejam tomadas pela Igreja.

Sínodos têm como base um documento preparatório. Este reflete a visão da Igreja e do mundo de quem é consultado. O normal é considerarmos que seus autores, caso tenham vida espiritual intensa e doutrina reta produzam um bom texto preparatório, que facilite os debates posteriores, que apontem caminhos seguros e fecundos para o futuro da Igreja. Pode ter falhas, sem dúvidas. O problema é quando apresentam ideias que confrontam a  doutrina católica. Isso pode acontecer? Pode. E tem acontecido.

Surpresa? Não. Os santos e os Papas sempre nos alertaram para a existência de inimigos internos. Estes, naturalmente, procuram modificar a doutrina e a moral da Igreja, com sagacidade. O preferível são as mudanças graduais, que não provoquem grandes reações. Ademais, quando se sentem mais fortes, são mais ousados. A dubiedade dos textos é forte aliada.

Ora, de acordo com importantes prelados da Igreja, os dois sínodos que serão realizados já nasceram baseados com graves equívocos em seus textos  preparatórios. O Cardeal Müller, por exemplo, declara em alto e bom som, que o “Instrumentum Laboris” do Sínodo da Amazônia, contém heresias e absurdos. (4)  Também o Cardeal Brandmüller, um dos quatro que pediu esclarecimentos ao Papa pela questão da Amoris Laetitiae, expressou suas preocupações em carta a seus irmãos de episcopado (5).

Finalmente o cardeal Burke e D. Schneider pediram  “uma cruzada de oração e jejum a fim de implorar a Deus que não permita que o erro e a heresia  pervertam o Sínodo Amazônico cujo “Instrumentum Laboris” apresentaria seis erros graves e heresias:

Cardeal Burke e D. Schneider
  1. Panteísmo implícito: o documento promove uma socialização pagã da “Mãe Terra, baseada na cosmologia das tribos amazônicas;
  2. Superstições pagãs como fontes da Revelação Divina e “caminhos alternativos” para a salvação;
  3. Diálogo intercultural em vez de evangelização;
  4. Uma concepção errônea da ordenação sacramental, que postula os ministros do culto de ambos os sexos, para até mesmo realizar rituais xamânicos;
  5. Uma “ecologia integral” que rebaixa a dignidade humana;
  6. Um coletivismo tribal que mina o caráter único da pessoa e sua liberdade.

E concluem: “Os erros teológicos e heresias implícitos e explícitos contidos no Instrumentum Laboris da próxima Assembleia especial do Sínodo dos bispos para a região Pan-Amazônica, são uma “manifestação alarmante da confusão, do erro e da divisão que afligem a Igreja hoje”  (6)

O Sínodo Alemão

Os bispos alemães, seguindo um caminho escolhido há décadas, pretendem – com ou sem apoio do Vaticano – radicalizar suas posições de modo a viver plenamente seu modo de ser Igreja. Defendem a chamada moral de situação, já condenada por Pio XII. Na verdade querem uma Igreja nova, mais igualitária, no estilo protestante. São ideias já condenadas pela Igreja, mas que estão decididos a implantar na igreja alemã. Acreditam, ademais, que tais mudanças possam servir como paradigmas para mudanças na Igreja em todo o mundo. Em especial advogam o fim do celibato e a ordenação de mulheres.

Cardeal Kasper e Cardeal Marx

Concretamente a grande maioria dos bispos da Alemanha pretende, em um Sínodo que vai contar também com a participação de leigos e que terá caráter deliberativo, implantar uma moral mais inclusiva e misericordiosa. Não condenam relações sexuais pré-nupciais nem adúlteras. Chegam a não só aprovar mas também elogiar uniões homossexuais. Todos, nessa lógica, passam a ter o direito de receber a eucaristia. A abertura vale também para protestantes casados com um cônjuge católico.

Essa é a proposta. Terão sucesso? Levarão avante o que seria um verdadeiro Cisma?

Conclusão:

O que aqui está escrito foi publicado em enorme número de artigos. Especialmente fora do Brasil. Ontem, com o início do Sínodo, muito disso voltou à tona.

O povo católico que acompanha a vida da Igreja, apesar de tudo, não tem porque temer. A tempestade é forte mas Cristo está na Igreja.

Nossa confiança tem que ser secundada pela oração, pela penitência, pela reparação. Aos pés da Cruz, ao lado da Virgem, devemos continuar firmes na fé.

Fontes e notas

  1. Cardeal Sarah: https://senzapagare.blogspot.com/2019/03/cardeal-sarah-igreja-que-deveria-ser-um.html?fbclid=IwAR0onfiEUEjUBE3PITvObyThhv5SGhoI_nMq1CrJ8ZyMDMgz6FLGCICL9ZU


2. Papa Francisco: “Mais uma vez, na “Carta ao Povo de Deus”, de agosto de 2018, Francisco relaciona abuso sexual, de poder e de consciência e afirma que dizer não aos abusos é dizer não ao clericalismo”. https://www.vaticannews.va/pt/vaticano/news/2019-02/encontro-vaticano-protecao-menores-vatiab.html

3. Veja o documento de Bento XVI na íntegra:

https://www.acidigital.com/noticias/o-diagnostico-de-bento-xvi-sobre-a-crise-da-igreja-e-dos-abusos-sexuais-do-clero-28270

4. Objeções do Cardeal Müller: https://www.acidigital.com/noticias/objecoes-de-cardeal-muller-ao-instrumentum-laboris-do-sinodo-da-amazonia-81686

5. Pronunciamento do cardeal Brandmüller:

https://www.acidigital.com/noticias/dois-cardeais-criticam-documento-de-trabalho-do-sinodo-da-amazonia-82963

6. Cardeal Burke: https://www.bibliacatolica.com.br/blog/cardeal-burke-e-dom-athanasius-propoem-uma-cruzada-de-oracao-e-jejum-pelo-sinodo-na-amazonia/#.XY5jkEZKiM8

Anteriormente, em junho, o cardeal e os mesmos prelados publicaram outro documento muitíssimo importante: “Declaração sobre as verdades relativas a alguns dos erros mais comuns na vida da Igreja no nosso tempo”.

Para ler o documento clique aqui:

https://odogmadafe.wordpress.com/category/bispo-d-athanasius-schneider/

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