A dignidade humana é intrínseca à pessoa. Não nos é concedida por ninguém
Nos artigos anteriores mostramos o que o documento do Dicastério para a Doutrina da Fé explica sobre as dignidades ontológica e moral do homem. Nele, nossa dignidade, é fortemente ressaltada, “ela não é concedida à pessoa por outros seres humanos a partir de seus talentos e qualidades, de modo que poderia ser eventualmente retirada”.
Mas, alguém poderia perguntar: E o Estado? E as leis? Não estamos subordinados a eles?
A resposta é simples, contundente: No que se refere à dignidade humana, não! (1).
A Dignitas Infinita explica: “Se a dignidade fosse concedida à pessoa por outros seres humanos, então ela se daria de modo condicionado e alienável e o próprio significado de dignidade (ainda que merecedor de grande respeito) permaneceria exposto ao risco de ser abolido. Na verdade, a dignidade é intrínseca à pessoa, não conferida a posteriori, prévia a qualquer julgamento, não podendo ser perdida. Em consequência, todos os seres humanos possuem a mesma e intrínseca dignidade, independentemente do fato que sejam ou não capazes de exprimi-la adequadamente. (…) E completa: Por isso o Concílio Vaticano II fala da eminente dignidade da pessoa humana, superior a todas as coisas e cujos direitos e deveres são universais e invioláveis” (…)
A deturpação do conceito de dignidade humana
Claro está que tal conceito de dignidade humana entra em choque com aquele usado por revolucionários que têm por hábito e por tática deturpar muitas palavras e conceitos. É que vemos no ponto 24: “ainda hoje se observam numerosos mal-entendidos sobre o conceito de dignidade, que distorcem o seu significado”. (2)
D.I. continua: “o conceito de dignidade humana foi às vezes usado de modo abusivo também para justificar uma multiplicação arbitrária de novos direitos, muitos dos quais em contraste com aqueles originalmente definido e não raro, postos em contraste com o direito fundamental à vida (…) “A dignidade se identificaria então com uma liberdade isolada e individualista, que pretende impor como “direitos” e financiados pela coletividade, alguns desejos e algumas propensões subjetivas!
Tal ponto é mais exposto adiante, nos pontos, 56-58 nos quais são expostos os perigos e erros da Teoria de Gênero.
As misérias do ser humano e da sociedade
Na oração “Salve Rainha” é dito que somos pobres criaturas que vivemos em um “vale de lágrimas”. Nele sempre houve as mais diferentes misérias, injustiças e mil tipos de barbáries. Hoje muitos males continuam a nos assolar. Deveria ser assim? Será sempre assim? E, se for assim, se o joio parece mais forte que o trigo, o que cabe a nós fazer?
Tendo em vista o que já foi dito dos pontos anteriores da Dignitas Infinita e o que vamos brevemente comentar ao tratarmos das violações hoje existentes contra a verdadeira visão antropológica do homem, convém ressaltarmos:
- É importante e necessário jamais esquecermos da dignidade com a qual fomos criados.
- Contudo, lembremos também que nossa finalidade última aqui na terra consiste em conhecer, amar e servir a Deus.
- Não levar isso em conta significa que não estamos sabendo usar nossa liberdade que é feita para o bem.
- A consequência é evidente: esquecemos o que somos, degradamo-nos, violamos nossa dignidade, e, assim, abrimos a alma e o mundo para toda sorte de degradação e de miséria.
- Degradação e miséria que impedem que haja dignidade social e existencial e que provocam todas as graves violações da dignidade humana tão duramente criticadas dos pontos 33 a 61. Tais violações já acontecem há muito e continuam se agravando. Nenhum católico tem o direito de estar alheio a elas. Cada um de nós é chamado pela Igreja para, dentro das possibilidades de cada um, fazer todo o possível para combate-las. Sem deixar de lado as orações e as reparações. Afinal, todos os males praticados contra nossos irmãos, ofendem também Cristo que nos redimiu.
Depois disso, a partir do ponto 33, A Dignitas Infinita cita algumas graves violações da dignidade humana. Somos todos convidados a enfrenta-las.
- O drama da pobreza
Aqui o texto se refere não à pobreza comum, aquela na qual falta alguma coisa a alguém. Trata-se da miséria, na qual falta mesmo o essencial como o alimento ou a moradia. “Um dos fenômenos que contribui consideravelmente para negar a dignidade de tantos seres humanos é a pobreza extrema, ligada à desigual distribuição da riqueza” (3).
2. A Guerra
“É sempre uma derrota da humanidade” (…). “hoje é muito difícil sustentar os critérios racionais maturados em outros séculos para falar de uma possível “guerra justa” (4).
3. O sofrimento dos migrantes
Que são “as primeiras vítimas das múltiplas formas de pobreza” e considerados, às vezes, como “menos humanos” (5).
4. O tráfico de pessoas
Outra violação grave da dignidade humana e que atingiu dimensões trágicas. Um “crime contra a humanidade”. Daí ter dito o Papa Francisco: “Reafirmo que o tráfico de pessoas é uma atividade indigna, uma vergonha para as nossas sociedades que se dizem civilizadas! Em seguida a Dignitas Infinita acrescenta: (…) “A igreja e a humanidade não devem renunciar a lutar contra fenômenos como “comércio de órgãos e tecidos humanos, exploração sexual de crianças, trabalho escravizado, incluída a prostituição, tráfico de drogas e de armas, terrorismo e crime internacional organizado.
5. Abusos sexuais
É lembrado que “todo abuso sexual deixa profundas cicatrizes no coração daquele que o sofre”. “Trata-se de sofrimentos que podem durar toda a vida e a que nenhum arrependimento pode remediar”. Ainda no ponto 45, ao discutir violência contra as mulheres na questão da paridade de salário, acrescenta: “E como não citar também as práticas da poligamia que – como recorda o Catecismo da Igreja Católica – é contrário à igual dignidade das mulheres e dos homens e é ainda contrária ao amor conjugal, que é único e exclusivo?” (6)
6. A violência contra as mulheres
Consideradas “um escândalo global”. Ainda há muito que ser feito pelas mulheres
7. Aborto
“A Igreja não cessa de recordar que “a dignidade de cada ser humano tem um caráter intrínseco e vale desde o momento da sua concepção até a sua morte natural. (…) Entre todos os delitos que o homem pode cometer contra a vida, o aborto procurado apresenta características que o tornam particularmente grave e deplorável. Depois de lamentar que, “na consciência de muitos a percepção da sua gravidade foi-se progressivamente obscurecendo! Finalmente a D.I. acrescenta: “Diante de uma tão grave situação, é preciso mais que nunca ter a coragem de encarar a verdade e de chamar as coisas pelo seu nome, sem ceder a compromissos de comodidade ou à tentação do autoengano. A tal propósito ressoa categórica a denúncia do Profeta: “Ai daqueles que chamam de bem o mal e o mal de bem, que mudam as trevas em luz e a luz em trevas” (Is. 5, 20). (7).
8. Maternidade sub-rogada
Popularmente chamada de barriga de aluguel. Neste caso uma mulher “aluga” seu ventre para que nele seja introduzido um embrião de um casal.
9. Eutanásia e suicídio assistido
Aqui entre nós pouco se fala do assunto, já aprovado em vários países. Por enquanto somos submetidos a filmes que nos levam a ter simpatia pelo suicídio assistido como é o caso de “Como eu era antes de você’. É parte de um processo que pretende levar, doravante, a projetos de lei em favor da eutanásia.
10. O descarte das pessoas com deficiência
Todos sabemos que ocorreu no regime nazista. No Brasil o STF decidiu aprovar o aborto de nascituros anencéfalos. A propósito, eles têm cérebro. Não têm um cérebro completo. Há exemplos de alguns nascidos que completaram dois anos de idade.
11. A Teoria de gênero
Aqui são discutidos dois pontos: a) Denunciam-se ações penais contra pessoas “unicamente pela sua orientação sexual”. b) Ao mesmo tempo alertam-se para os “pontos críticos da teoria de gênero. A crítica aqui é a seguinte: “(…) Infelizmente, as tentativas realizadas nas últimas décadas para introduzir novos direitos, não plenamente consistentes em relação àqueles originalmente definitos e não sempre aceitáveis, deram espaço a colonizações ideológicas, entre as quais tem um papel central a teoria de gênero (gender), que é perigosíssima porque cancela a diferenças na pretensão de tornar todos iguais”.
12. A mudança de Sexo
“Qualquer intervenção de mudança de sexo normalmente se arrisca a ameaçar a dignidade única que a pessoa recebeu desde o momento da concepção”.
13. A violência digital
O progresso da tecnologia, como é sabido há muito, pode também levar a mais “exploração, exclusão, violência que podem chegar a lesar a dignidade humana”. “ O ambiente digital é também um território de solidão, manipulação, exploração e violência, até o caso extremo da dark web.” E é exposto o lado obscuro do progresso digital. No final, uma palavra otimista: “Os mass media podem ajudar a fazer-nos sentir mais próximos uns dos outros, a fazer-nos perceber um renovado sentido de unidade da família humana que impele a solidariedade e ao empenho por uma vida mais digna.
Conclusão
Como pudemos ver há muito o que se fazer para se defender os direitos humanos em sua profunda relação com Deus. É um belo convite que a Igreja nos faz e diante do qual podemos ter atitudes diferentes.
A atitude pessimista esquece a beleza da luta e se fixa em suas dificuldades. Pior, abstraindo de Deus. Neste caso ficamos prostrados diante do peso das dificuldades. A tendência é desanimarmos.
A segunda atitude é, realisticamente, otimista. Não é um paradoxo, é uma realidade. Simplesmente porque não separamos o mundo terreno do espiritual. Assim sendo, o tamanho das batalhas e das dificuldades não nos assustam. Pelo contrário, ao contar com a graça, tudo ousamos enfrentar.
É evidente que mesmo o bom soldado não tem como participar de toda a batalha. Ele participa do que lhe é pedido, mas não se prende só ao que enfrenta pessoalmente. Ele tem visão. A todo momento está preocupado em saber se a guerra está sendo ganha.
O soldado que tem vida espiritual espelha-se em Santa Teresa do Menino Jesus. A jovem santa dizia ter uma alma pequena, mas dizia que se sentia como um pássaro com olhos e coração de águia. Pássaro-águia que tudo queria empreender por Deus. Sabia que sua vocação era ser carmelita, esposa e mãe, mas dizia:
“Entretanto, sinto em mim outras vocações. Sinto-me com a vocação de guerreiro, de padre, de apóstolo, de doutor, de mártir. Tudo, portanto. Sinto a necessidade, o desejo de realizar por ti, ó Jesus, todas as obras mais heróicas. Sinto em mim a coragem de um cruzado, de um zuavo pontifício”. E acrescentava: “Quisera morrer sobre um campo de batalha para defesa da Igreja””.
Não é um belo exemplo?
Notas:
- Para a doutrina católica há leis que podem ser criticadas e, conforme o caso, não obedecidas. “Já que a autoridade é exigência da ordem moral e promana de Deus, caso legislarem os governantes ou prescreverem algo contra essa ordem e, portanto, contra a vontade de Deus, essas leis e essas prescrições não podem violar a consciência dos cidadãos. É preciso obedecer antes a Deus que aos homens”. (Paulo VI, Pacem in Terris, 51).
- Ao se deturpar o conceito de dignidade humana se corrompe também o de direitos humanos. Os mais variados movimentos de esquerda e do feminismo a ele apelam para permitir e defender toda sorte de abusos – liberdade para toda sorte de males – e até de crimes tais como o aborto e a eutanásia. O Judiciário brasileiro, não poucas vezes, age usando a concepção errônea de direitos humanos e de dignidade.
- Pontos 36 e 37 que merecem aprofundamento. Toda desigualdade merece censura? O que ensina o magistério? O que lemos na doutrina Social da Igreja? Trataremos do assunto em artigo específico sobre a desigualdade na vida social.
- Veja no Catecismo da Igreja em que pontos a doutrina católica considera que possa haver uma guerra justa. Há condições que permitam uma mudança na doutrina? Pontos 2307 a 2317. Tema polêmico que não vi abordado por nenhum comentarista católico.
- Em outros pronunciamentos da Igreja – a mesmo do Papa Francisco – é explicado que as nações têm o direito de estabelecer regras para a acolhida dos imigrantes. Leva-se em conta aí não só a caridade e a justiça com os migrantes, mas também com os habitantes do país. Não se pode esquecer também a paz e a segurança da nação e seus valores culturais.
- O Catecismo da Igreja Católica condena o divórcio, que é uma ofensa à lei natural, por sua imoralidade e que introduz a desordem na célula familiar e na sociedade. Acrescentemos também a poligamia, a união livre e outros erros morais. Cf. Catecismo pontos 2384 a 2387.
- Duras palavras contra os Legislativos de tantos lugares do mundo que estão estabelecendo o aborto como um direito humano. Destacamos aqui recente lei francesa que afirma que é inconstitucional limitar o aborto ou excluí-lo da lei. Lição também para nosso STF que baseando-se em falaciosa visão do Direito abre cada vez mais espaço para o aborto legal.
- https://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_ddf_doc_20240402_dignitas-infinita_po.html
- Nas citações da Dignitas Infinita, os destaques em negrito foram colocados pelo claravalcister.