DOIS POEMAS DE GREGÓRIO DE MATOS (1)

SONETO A NOSSO SENHOR

Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado,

Da vossa alta clemência me despido;

Porque quanto mais tenho delinquido

Vos tem a perdoar mais empenhado.

Se basta a voz irar tanto pecado,

A abrandar-vos sobeja um só gemido:

Que a mesma culpa que vos há ofendido,

Vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma ovelha perdida e já cobrada

Glória tal e prazer tão repentino

Vos deu, como afirmais na sacra história.

Eu sou, Senhor a ovelha desgarrada,

Recobrai-a; e não queirais, pastor divino,

Perder na vossa ovelha a vossa glória.

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O POETA NA ÚLTIMA HORA DE SUA VIDA

Meu Deus, que estais pendente em um madeiro,

Em cuja lei protesto de viver,

Em cuja santa lei hei de morrer

Animoso, constante, firme e inteiro.

Neste lance, por ser o derradeiro,

Pois vejo a minha vida anoitecer,

É, meu Jesus, a hora de se ver

A brandura de um Pai manso Cordeiro.

Mui grande é vosso amor, e meu delito,

Porém, pode ter fim todo o pecar,

E não o vosso amor que é infinito.

Esta razão me obriga a confiar,

Que por mais que pequei, neste conflito

Espero em vosso amor de me salvar.

Nota. 1. Gregório de Matos foi um dos maiores poetas brasileiros do período do Barroco. Além de poeta, Gregório foi advogado durante o período colonial.

É conhecido como o “Boca do Inferno”, sendo famoso por seus sonetos satíricos, donde ataca, muitas vezes, a sociedade baiana da época.

Dono de uma personalidade rebelde, Gregório criticou diversos aspectos da sociedade, do governo e da Igreja Católica. Como resultado acabou sendo condenado ao degredo em Angola no ano de 1694.

De família nobre estudou Humanidades no Colégio dos Jesuítas, transferindo-se depois para Coimbra, onde se formou em Direito. Não se adaptou à vida na metrópole e regressou ao Brasil aos 47 anos de idade. Na Bahia, recebeu do primeiro arcebispo, D. Gaspar Barata, os cargos de vigário-geral (só com ordens menores) e de tesoureiro-mor, mas foi deposto por não querer completar as ordens eclesiásticas. Apaixonou-se pela viúva Maria de Povos, com quem passou a viver, com prodigalidade, até ficar reduzido à miséria. Passou a viver existência boêmia, aborrecido do mundo e de todos, e a todos satirizando com mordacidade. O governador D. João de Alencastre, que primeiro queria protegê-lo, teve afinal de mandá-lo degredado para Angola, a fim de o afastar da vingança de um sobrinho de seu antecessor, Antônio Luís da Câmara Coutinho, por causa das sátiras que sofrera o tio. Chegou a partir para o desterro, e advogava em Luanda, mas pôde voltar ao Brasil para prestar algum serviço ao Governador. Estabelecendo-se em Pernambuco, ali conseguiu fazer-se mais querido do que na Bahia, até que faleceu, reconciliado como bom cristão, em 1695, aos 59 anos de idade.

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