CORRENTES TEOLÓGICAS NA IGREJA 3. OS CONSERVADORES RESISTENTES (parte 2)

Valter de Oliveira

No presente artigo continuamos elencando fatores que teriam feito com que certos conservadores passassem a resistir publicamente ao que consideram que vai contra a fé católica.

O ECUMENISMO. Ou a deturpação dele.

Em princípio não havia entre esses conservadores quem negasse a importância do movimento ecumênico desde que implicasse em um diálogo que ajudasse os chamados “irmãos separados” a retornar à unidade da Igreja. Depois assustaram-se com o que consideraram ser um modo relativista de encarar a questão.

Lembremos, inicialmente, que mesmo o papa Bento XVI fizera advertências sobre os exageros e erros de certos teólogos em matéria de ecumenismo.

Vejamos alguns exemplos.

  1. O encontro de Assis
O encontro de Assis: alguns possíveis convidados. | Fratres in Unum.com

A cerimônia de Assis, realizada em 27 de outubro de 1986, reunião ecumênica à qual compareceram o Papa João Paulo II e grande número de representantes de vária religiões, causou muitas perplexidades e críticas nos meios tradicionalistas. Afirmaram que o evento supostamente punha o catolicismo no mesmo nível das outras religiões. Já os conservadores, certamente devido ao respeito que tinham por João Paulo II, não consideraram, naquela época, que o fato merecesse uma resistência pública.  

Contudo, é fato que mesmo no Vaticano houve perplexidades. Fato reconhecido em artigo da revista ihu da unisinos: : “Inquietações foram também expressadas de dentro do ambiente papal. O então Cardeal Joseph Ratzinger, na época o presidente da Congregação para a Doutrina da Fé, disse em um livro de 2003 que “não se discute que os encontros de Assis, especialmente o de 1986, foram mal interpretados por muitas pessoas”.

Encontro de Assis

Apesar das perplexidades e críticas os encontros continuaram. Bento XVI também compareceu, mas houve mudanças. Não sabemos exatamente quais.

Voltemos a tratar de questões do atual pontificado.

2. O quinto centenário da Reforma Luterana

O Papa Francisco e a Reforma Luterana - Jornal de Relações Internacionais
Estátua de Martinho Lutero no Vaticano em 2016

Por ocasião do quinto centenário da Reforma uma estátua de Lutero foi levada ao Vaticano e lá posta em exposição. Em diferentes momentos o monge alemão, antes tido como um dos maiores heresiarcas da história da Igreja, recebeu várias manifestações de respeito e até louvor. O Papa Francisco afirmou que ele não tivera a intenção de se separar da Igreja e que fora “um homem verdadeiramente cristão”.

Oficialmente foi afirmado também que – depois de muitos encontros entre teólogos cristãos e luteranos – passamos a ter uma doutrina comum sobre a justificação. Lembremos que este era um ponto muito importante na doutrina luterana. Se for mesmo assim, dizem alguns críticos, estaríamos indo contra definições dogmáticas do Concílio de Trento.

3. Encontro com suecos e finlandeses

Neste evento a afirmação católica sobre a unidade com os luteranos foi mais longe: 

“O Relatório do grupo de diálogo católico-luterano para a Suécia e a Finlândia, intitulado A Justificação na vida da Igreja, afirma justamente: «Aqueles que já são batizados, juntamente com os seus irmãos e irmãs, podem desenvolver as suas oportunidades de santidade, que provêm de uma justificação comum em Cristo. Como membros do único e mesmo Corpo místico de Cristo, os cristãos estão unidos uns com os outros e devem carregar os fardos uns dos outros. Dado que Cristo veio para redimir o mundo inteiro, a Igreja e os cristãos, tanto leigos como ordenados, têm também como missão dar” (2)

4. Ortodoxos

Os conservadores resistentes consideram que, se a tal ponto chegou o ecumenismo com os luteranos, com muito mais razão ele deve ter caminhado em relação aos ortodoxos. Com efeito estes estão doutrinariamente bem mais próximos dos católicos.

Sendo assim um leigo no assunto poderia julgar que através de um bom diálogo seria mais fácil fazer apostolado com um ortodoxo.

Apostolado?

Aí veio a surpresa. Não só para o leigo comum como nós. Também para muitos teólogos conservadores.  

Na verdade, no atual ecumenismo, o proselitismo não é bem visto. Os conservadores resistentes lembram um pronunciamento do Santo padre na Geórgia.

GEÓRGIA, 4 de outubro de 2016 ( LifeSiteNews ) – É um “pecado gravíssimo contra o ecumenismo” os católicos tentarem converter os cristãos ortodoxos, disse o Papa Francisco durante o segundo dia de sua viagem ao país eurasiano da Geórgia.

“Que os teólogos estudem as realidades abstratas da teologia”, disse o pontífice. “Mas o que devo fazer com um amigo, vizinho, uma pessoa ortodoxa? Esteja aberto, seja um amigo. ‘Mas devo fazer esforços para convertê-lo?’ Existe um pecado gravíssimo contra o ecumenismo: o proselitismo. Nunca devemos fazer proselitismo com os ortodoxos! Eles são nossos irmãos e irmãs, discípulos de Jesus Cristo.” (3); (4)

5. Os judeus

Também em relação a eles é desencorajado o espírito de conversão. Seriam nossos irmãos mais velhos. Serão salvos mesmo não acreditando em Cristo como Messias. Podemos ler em documento oficial do Vaticano:

 “Na quinta seção (do documento) entra-se em uma questão espinhosa: como os judeus são salvos se não acreditam explicitamente em Jesus como Messias de Israel e Filho de Deus. “O fato de que os judeus tenham parte na salvação de Deus é teologicamente fora de questão, mas como seja isso possível sem uma confissão explícita de Cristo é um mistério insondável e divino”, disse o cardeal.

“A sexta seção, trata da atitude dos cristãos no que diz respeito à evangelização dos judeus, destacou o presidente da Comissão para as relações religiosas com o judaísmo, destacando que “a Igreja católica não conduz nem incentiva nenhuma missão institucional específica dirigida aos judeus”, embora “os cristãos estão chamados a dar testemunho da sua fé em Jesus Cristo também diante dos judeus”, mas com “humildade e sensibilidade, reconhecendo que os judeus são portadores da palavra de Deus e tendo presente a grande tragédia da Shoah”.(5)

Assim sendo é dito ao conservador resistente e a toda a Igreja –incluindo eu e você – que agora podemos modificar o carisma de uma ordem religiosa! Com efeito, uma ordem como a instituída pelo venerável Ratisbone (judeu convertido), a “Congregação de Nossa Senhora de Sião”, dedicada à conversão dos judeus à fé católica, não precisaria mais viver conforme o espírito e a intenção de seu fundador!

Fiquei espantado com a hipótese. Fui conferir. O que encontrei?

“Após o Concílio Vaticano II (a Congregação) reorientou sua vocação específica, deixando o desejo de conversão para assumir uma posição de “diálogo e conhecimento mútuo”, conforme ensina o documento Nostra Aetate”. (6)

6. Os maometanos e o documento de Abu Dhabi

Para não nos alongarmos vamos deixar de lado os fatos e preocupações provocados pelo Sínodo da Amazônia, do episódio da Pachamama – tido como ritual pagão pelos conservadores resistentes e pelos tradicionalistas – ou pela tentativa de se obter do Santo Padre a ordenação de mulheres. Tampouco vamos detalhar outro episódio que provocou reações: o incensamento e o culto da imagem da Virgem colocada ao lado da imagem de Buda, fato ocorrido em Aparecida e também no oriente. Vamos tratar do documento assinado pelo papa em Abu Dhabi em diálogo com os muçulmanos. No documento podemos ler:

 “O pluralismo e as diversidades de religião, de cor, de sexo, de raça e de língua fazem parte daquele sábio desígnio divino com que Deus criou os seres humanos. Esta Sabedoria divina é a origem donde deriva o direito à liberdade de credo e à liberdade de ser diferente”.

Em suma, todas as religiões são desejadas por Deus.

Em visita liminar ao Papa Francisco, D. Schneider,  bispo auxiliar da arquidiocese de Santa Maria em Astana, Cazaquistão, em companhia de outros prelados, levantou a questão se era vontade de Deus que houvesse várias religiões.  Afirmou que isso não era verdade, que Deus só permitia certos males. O Papa Francisco concordou e autorizou que ele dissesse que deveria ser entendida no sentido da “vontade permissiva” de Deus. “Você tem autorização para dizer que é o que penso”. Acontece que isso foi relatado pelo bispo, não pelo Papa. O documento original continua inalterado. E foi citado na última encíclica “Tutti Fratelli”.

Caros amigos, esses são os fatos. Os bispos resistentes publicaram um documento em que, inclusive, relembram nosso credo. (7)

O que pensar disso tudo? Quais são as obrigações de um fiel católico que ama a Igreja diante desse quadro?

Notas:

  1. http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/560164-encontro-inter-religioso-do-papa-e
  2. http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2020/january/documents/papa-francesco_20200117_chiesa-luterana-finlandia.html
  3. https://www.lifesitenews.com/news/pope-very-grave-sin-for-catholics-to-try-to-convert-orthodox
  4. A questão do proselitismo é um desses incríveis fenômenos de manipulação da linguagem. A palavra sempre foi usado nos meios católicos como sinônimo de apostolado ou evangelização. Contudo, nos meios progressistas começou a ser tida como uma forma de constranger a pessoa a abandonar a própria fé. Seria também sinônimo de manipulação. Na verdade, na lógica relativista somos salvos em qualquer religião. Dogmas e leis morais  só atrapalham a verdadeira união entre os homens. Futuramente publicaremos artigo sobre o assunto.
  5. https://pt.zenit.org/articles/novo-documento-do-vaticano-aprofunda-sobre-a-dimensao-teologica-do-dialogo-judaico-catolico/
  6. http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/rbhe/article/view/40786 – trata da “evolução” do carisma da ordem…
  7. https://odogmadafe.wordpress.com/2019/06/11/declaracao-sobre-as-verdades-relativas-a-alguns-dos-erros-mais-comuns-na-vida-da-igreja-no-nosso-tempo/

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