No ano de 1989, viajando para Cuba , Frei Carlos L. Christo, foi portador de uma carta do Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, para Fidel Castro Ruiz. O texto da carta fala por si mesmo. Foi recebido com muito desconforto por parte da Santa Sé e um sem número de Bispos da Igreja. A carta foi tida como inoportuna, pois no ano de 1989 a Constituição Revolucionária de Cuba ainda adotava o ateísmo oficial e a Igreja Católica era perseguida, vivendo nas catacumbas, confinada aos templos, sem qualquer escola e sem acesso a qualquer meio de comunicação social. Tudo fora estatizado. As escolas e obras caritativas, assistenciais e promocionais da Igreja foram expropriadas quando, em 1962, Fidel Castro tornou público ser marxista e ateu, eliminando os companheiros de Sierra Maestra cristãos e católicos. Segue a íntegra da carta.
Queridíssimo Fidel
Paz e Bem
Aproveito a viagem de Frei Betto para lhe enviar um abraço e saudar todo o povo cubano pela ocasião do 30º aniversário da Revolução. Todos nós sabemos com quanto heroísmo e sacrifício o povo de seu país conseguiu resistir às agressões externas e erradicar a miséria, o analfabetismo e os problemas sociais crônicos. Hoje em dia Cuba pode sentir-se orgulhosa de ser no nosso continente, tão empobrecido pela dívida externa, um exemplo de justiça social.
A fé cristã descobre nas conquistas da Revolução os sinais do Reino de Deus, que se manifesta em nossos corações e nas estruturas que permitem fazer da convivência política uma obra de amor.
Aqui no Brasil vivemos momentos importantes de luzes e sombras. De um lado a vitória popular alcançada nas últimas eleições renova o marco político do país e abre esperanças de que o indescritível sofrimento de nosso povo possa ser minado no futuro. Convivemos com uma inflação de 30% ao mês e uma sangria de recursos absorvidos pelo injustificável pagamento de juros da dívida externa. Por outro lado, sabemos que essa vitória não significa ainda nossa liberdade e que estaremos obrigados a enfrentar em nosso próprio país esse tipo de dificuldades criadas pelos donos do Grande Capital.
Este é um momento de dor para quem faz de seu serviço episcopal um ato de efetivo amor para com os pobres.
Entretanto, confio que nossas Comunidades Eclesiais de Base saberão preservar as sementes da nova vida que foram semeadas.
Infelizmente, ainda não se deram as condições favoráveis para que se efetue nosso encontro. Tenho a certeza de que o Senhor Jesus nos indicará o momento oportuno. Tenho-o presente diariamente em minhas orações, e peço ao Pai que lhe conceda sempre a graça de conduzir os destinos de sua Pátria.
Receba meu fraternal abraço nos festejos pelo XXX Aniversário da Revolução Cubana e os votos de um Ano Novo promissor para seu país.
Fraternalmente,
Paulo Evaristo Arns.
(Transcrito de O Globo, Rio, 20.01.89)
Fonte: Castanho, Dom Amaury.Presença da Igreja no Brasil, 1900-2000. São Paulo, Gráfica Jundiá, 1998, p. 301-302.
Dom Amaury foi bispo de Jundiaí, SP, de 1996 a 2004. Faleceu em 2006.