Gustavo França
Faz-se noite na quinta-feira da salvação. Cai a escuridão sobre o mundo. É hora do poder das trevas.
O mundo antigo chega ao fim. Aproximam-se novos céus e novas terras. Naqueles dias amargos de Páscoa, todo o esplendor dos antigos poderes se desfaz num terrível crepúsculo. A terra está mergulhada na obscuridade.
Apenas uma discreta luz brilha nas trevas. Numa sala nas beiradas de Jerusalém, Jesus, a Luz das luzes, celebra a Páscoa com seus discípulos.
São João, o apóstolo amado, reclinado em Seu peito, é capaz de registrar o que se passava no interior do Sagrado Coração neste momento: “Sabendo que chegara a hora de passar deste mundo ao Pai, tendo amado os Seus que estavam no mundo, até os extremo os amou”.
Com a alma profundamente afetada pela consumação dos mistérios divinos, Jesus abre Sua intimidade aos amigos. “Desejei ardentemente comer esta Páscoa convosco. Já não comerei até que todas as coisas estejam renovadas”.
Anuncia-se a hora da redenção. “Mais um pouco, e já não Me vereis. Ainda um pouco mais, e Me tornareis a ver”.
O Filho do Homem será traído e entregue às mãos dos malfeitores. Açoitá-lo-ão e o executarão na cruz. O maligno cobrirá o mundo com as sombras. A esperança parecerá perdida. O céu estará em silêncio. Deus estará morto. A morte terá conquistado o mundo.
Mas as sombras são as primícias da luz. As trevas não conhecem a luz e por ela serão derrotadas. As trevas da sexta-feira reinarão até domingo. Domingo brilhará para a criação a luz definitiva. Da sepultura do mundo pagão ressurgirá o novo universo. E o novo homem já não jazerá na trágica miséria dos seus pecados, mas, glorificado pelo triunfo do Deus feito carne humana, terá parte com o Altíssimo na felicidade eterna.
A aflição se apodera dos discípulos. “Havereis de chorar, e o mundo estará alegre. Mas vossa tristeza se converterá em alegria. O mundo vos odeia e vos persegue. Mas não vos afligis; Eu venci o mundo. Eu vos deixo a paz; Eu vos dou a Minha paz. Mas não a dou como a dá o mundo. Dou-vos a paz de Deus, que dura para sempre e que nada pode perturbar. Não vos deixarei órfãos. Voltarei para vós”.
Jesus derrama todo o Seu infinito amor. Não Lhe faltará entregar nada. Pela humanidade verterá até a Sua última gota de sangue. “Já não vos chamo servos, mas amigos. Pois o servo não sabe o que faz o seu senhor; e Eu vos dei a conhecer tudo quanto ouvi de Meu Pai”.
Os apóstolos se dão conta de que já não fala por imagens e parábolas, mas lhes conta claramente os segredos do Pai. É que tudo o que estava prefigurado agora se realizará plenamente. Tudo o que, desde Abraão, foi revelado por imagens misteriosas e alegorias teatrais agora se torna realidade.
Jesus toma o pão em Suas mãos, eleva os olhos aos céus, dá graças e o parte e o entrega aos discípulos. “Tomai todos e comei. Isto é o Meu Corpo, que é entregue por vós”.
Ao fim da ceia, toma o cálice de vinho e repete o gesto. “Tomai todos e bebei. Este é o cálice do Meu Sangue, Sangue da nova e eterna aliança, que é derramado por vós e por muitos, para a remissão dos pecados. Fazei isto em memória de mim”.
Os velhos ritos estão abolidos. A Antiga Aliança dá lugar à Nova. A luz escondida insiste em brilhar na noite do mundo, preparando a manhã eterna de domingo.
O sacrifício do dia seguinte se antecipa ali mesmo, no cenáculo. E, assim, se faz eterno no pão e no vinho. O sacrifício de Cristo não é o fim, mas o princípio da era definitiva. Cristo não se vai na morte, mas Sua morte é a chave de Sua permanência.
A morte de Cristo nos dá a vida. Nos quatro cantos do mundo, em cada missa, em cada coração enamorado que se ajoelha perante a Eucaristia, Cristo está conosco, como esteve com os apóstolos em toda a intimidade de Sua alma naquela última ceia da derradeira quinta-feira.
Cristo Se entrega em sacrifício para apagar definitivamente nossos pecados. O pão que se ergue nas Santas Mãos na calada da noite, sem que ninguém fique sabendo, será erguido para todo o mundo no dia seguinte, num horrendo madeiro. Mas a cruz será o trono do Rei dos Reis. As lágrimas que choramos quando toda a promessa divina parecia perdida, quando tudo o que conhecemos como mundo, em sua ilusória glória e sabedoria, estava esmagado sob o poder infernal, serão as pérolas de nossa coroa celestial.
Rui o velho mundo, e, com ele, o abismo que nos separava de Deus. Tememos e choramos pela última vez. A maldade já não tem poder sobre nós. “Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo”.
À noite mais espessa se segue a serena claridade da luz indescritível, que nenhuma força angélica pode apagar. Nós fomos salvos para sempre.