Valter de Oliveira
Atentados brutais em todo o mundo – Brasil, Nova Zelândia, Holanda – causam perplexidade e dor. Guerras civis na África e no Oriente Médio penalizam milhões de inocentes que morrem ou ficam à deriva à espera de uma ajuda que não chega. São crimes de indivíduos e de governantes. São crimes do homem. Mostram claramente onde chegamos quando trocamos a solidariedade pelo egoísmo, o amor pelo ódio.
A crise moderna, já o disseram insignes pensadores, não é uma crise de sistemas ou regimes de governo. Tampouco é uma questão só econômica ou filosófica. Todas essas visões são reducionistas. A crise atual é uma crise do homem. Começou quando nos colocamos no centro de tudo, lá na Renascença, e aprofundou-se atrozmente de lá para cá. Atinge a sociedade espiritual e a temporal.
O homem moderno, que se afastou do transcendente e dos verdadeiros valores, teima em criar o Paraíso na terra. Desesperadamente usa palavras cristãs – amor, solidariedade, misericórdia, justiça – na sua tentativa de estabelecer condições que permitam que o alcancemos. Em vão. Divorciado de Deus ele teima em construir sobre a areia. Não percebe, ou não quer perceber, que ao não entender o fim último da existência humana corrompeu as consciências e, assim, corrompeu o homem e a sociedade.
Lembrei-me disso hoje ao ler as belas palavras de Francisco Fernandez Carvajal, na sua meditação sobre “A Consciência, Luz do Mundo”. Transcrevo, a seguir, parte dela. Que seja luz para cada um de nós.
(…)”HOJE, SE OUVIRDES a voz do Senhor, não endureçais os vossos corações 1, repete-nos a liturgia durante todos os dias deste tempo litúrgico. E todos os dias, de formas muito diversas, Deus fala ao coração de cada um de nós.
“A nossa oração durante a Quaresma tem em vista despertar a consciência e torná-la sensível à voz de Deus. Não endureçais o coração, diz o salmista. Com efeito, a morte da consciência, a sua indiferença em relação ao bem e ao mal, os seus desvios, são grandes ameaças para o homem. E indiretamente são também uma ameaça para a sociedade porque, em última instância, é da consciência humana que depende o nível de moralidade da sociedade”2. A consciência é a luz da alma, do que há de mais profundo no ser humano, e, se se apaga, o homem fica às escuras e pode cometer todos os desvios imagináveis contra si próprio e contra os outros.
A lâmpada do teu corpo são os teus olhos 3, diz o Senhor. A consciência é a lâmpada da alma e, se estiver bem formada, ilumina o caminho, o caminho que termina em Deus, e o homem pode avançar por ele. Ainda que tropece e caia, pode levantar-se e prosseguir. Quem deixa que a sua sensibilidade interior “adormeça” ou “morra” para as coisas de Deus, fica sem qualquer ponto de referência pelo qual orientar-se. É a maior desgraça que pode acontecer a uma alma nesta vida. Ai daqueles que ao mal chamam bem, e ao bem, mal – anuncia o profeta Isaías –, ai daqueles que mudam as trevas em luz e a luz em trevas, que tornam doce o que é amargo, e amargo o que é doce 4.
Jesus compara a função da consciência à do olho na nossa vida. Se o teu olho for são, todo o teu corpo estará bem iluminado; se, porém, estiver em mau estado, o teu corpo estará em trevas. Cuida, pois, de que a luz que há em ti não sejam trevas 5. Quando o olho está bom, vêem-se as coisas tal como são, sem deformações. Um olho doente engana a pessoa e pode levá-la a pensar que os acontecimentos são como ela os vê com a sua visão distorcida.
A consciência pode ficar deformada por não se ter procurado alcançar a ciência devida a respeito da fé, ou então por uma má vontade dominada pela soberba, pela sensualidade, pela preguiça… Quando o Senhor se queixava de que os judeus não se abriam à sua mensagem, não atribuía a causa a nenhuma dificuldade involuntária: a dificuldade era antes uma consequência da sua livre negativa: Por que não compreendeis a minha linguagem? Porque não podeis suportar a minha doutrina 6.
As paixões e a falta de sinceridade consigo próprio podem chegar a forçar o entendimento e levá-lo a pensar de outra forma, mais de acordo com um teor de vida ou com uns defeitos e maus hábitos que não se querem abandonar. Não existe então boa vontade, o coração se endurece e a consciência adormece e já não indica a direção certa que conduz a Deus: é como uma bússola avariada que desorienta aquele que a consulta. “O homem que tem o coração endurecido e a consciência deformada, ainda que possa estar na plenitude das suas forças e das suas capacidades físicas, é um doente espiritual e é preciso fazer alguma coisa para que recupere a saúde da alma”7.
A Quaresma é um tempo muito propício para pedirmos ao Senhor que nos ajude a formar muito bem a nossa consciência e para examinar se somos radicalmente sinceros conosco, com Deus e com as pessoas que em seu nome têm por missão aconselhar-nos” .
Rezemos para que Deus nos conceda uma consciência reta e pura. Só com ela é possível fazer o bem para os que estão em torno de nós e, de algum modo, para toda a humanidade. E que Deus abrande o coração dos homens a fim de que, dentro do possível, construamos não o Paraíso na terra mas um mundo melhor que nos prepare para o Paraíso Celeste.
Notas: (1) Sl 94, 8; Invitatório para a Quaresma, Liturgia das horas da segunda-feira da segunda semana da Quaresma; (2) João Paulo II, Angelus, 15-III-1981; (3) Lc 11, 34; (4) Is 5, 20-21; (5) Lc 11, 34-35; (6) Jo 8, 43; (7) João Paulo II, ib.;
Fonte: Francisco Fernández Carvajal. Falar com Deus. Meditação de 18 de março. www.hablarcondios.org/pt/meditacaodiaria.aspx