O QUE PENSAR DO PAPA FRANCISCO?

Valter de Oliveira

 Valter de Oliveira

Desde sua eleição e suas primeiras declarações o Papa Francisco aparece como uma pessoa controvertida. De um lado, fazendo jus ao nome que adotou, é tido como um homem simples, despojado, um homem de inegável carisma que irá trazer muitas almas de volta à Igreja e reavivar a fé. De outro lado é acusado de ser demais ousado ou dúbio em certos pronunciamentos que agradariam setores da Igreja que eram críticos de S. João Paulo II ou Bento XVI. Nesta linha, para indignação dos católicos mais tradicionalistas, ou para desconcerto dos conservadores (1), ele poderia estar levando a Igreja a aceitar o inaceitável, abandonando pontos essenciais do ensinamento católico. Certamente esses possíveis contrastes explicariam a reportagem da revista americana Newsweek publicada no mês de setembro último. Na capa, a revista publica uma imagem escura do pontífice com um título chamativo: “O Papa é católico?” E ao lado complementa: “Você não saberia lendo somente os recortes da imprensa”.

Arcebispo Salvatore Cordileone

O longo artigo – entre outras coisas – compara o Papa com o arcebispo de São Francisco, Salvatore Cordileone, que tem se destacado por uma oposição clara e decidida na defesa da moral católica e enfrentado toda forma de oposição por parte de movimentos liberais progressistas.  Daí a revista afirmar, pouco antes da visita do Papa aos EUA, que “até parece que os dois não pertencem à mesma Igreja”. E continua: “Mas não se pense que Francisco vai mudar a doutrina do catolicismo: A mudança é pastoral, não doutrinal”.

O Papa responde às acusações

 

Papa Francisco

Na entrevista de mais de 30 minutos com os 76 jornalistas a bordo do voo Santiago de Cuba – Washington DC, o Papa aborda a questão.

“Vocês me perguntam se eu sou católico? Se precisar, eu posso rezar o Credo… “, disse ele, saltando imediatamente para as manchetes de várias agências e redes sociais. Com seu humor típico, o papa argentino também respondeu a outras acusações, como a de ser “comunista” e até um “anticristo” e um “antipapa” (!)

“Um amigo cardeal me disse que uma senhora foi falar com ele, muito preocupada, muito católica, um pouco rígida, mas boa pessoa. E perguntou se era verdade que a Bíblia falava de um anticristo. Ele explicou que o Apocalipse fala disso. Depois, a senhora perguntou se também era mencionado um antipapa. O cardeal quis saber: por que você me pergunta isso? Ela respondeu: Tenho certeza de que Francisco é o antipapa. E por quê? Porque ele não usa os sapatos vermelhos!”, contou Francisco. Todos riram.

Quanto às denúncias do papa contra o sistema econômico mundial e as decorrentes acusações de que ele é “comunista”, Francisco declarou: “Sobre ser comunista ou não comunista: eu tenho certeza de que não disse nada mais do que aquilo que está na Doutrina Social da Igreja”. E acrescentou: “Durante outro voo, uma colega de vocês me perguntou sobre o meu discurso para os movimentos populares: ‘Mas a Igreja vai segui-lo?’. Eu respondi: ‘Sou eu que sigo a Igreja’, e sobre isso acho que não me engano. As coisas podem ser explicadas, talvez algo tenha dado uma impressão um pouco mais ‘esquerdista’, mas seria um erro de interpretação. A minha doutrina sobre tudo isso, a Laudato Si’ e sobre o imperialismo econômico estão no ensinamento social da Igreja. E se é necessário que eu reze o Credo, estou disposto a fazê-lo…”. (2)

O que pensar de tudo isso?

 

Dom Fernando Rifan

Ainda agora, ao consultar diversas fontes para escrever este artigo, encontrei uma explicação para essa imagem controvertida sobre o Papa veiculada pela mídia. Quem a dá é um bispo tradicionalista brasileiro, D. Fernando Rifan. Segundo ele o que temos são notícias distorcidas sobre a Igreja. E cita uma frase de Dom Henrique Soares da Costa, bispo de Palmares, (PE): O mundo “quer pautar a fé dos católicos, inventando um Papa que não existe”.

Na mesma linha adverte-nos: “Muitas vezes os meios de comunicação espalham notícias a respeito do Papa e da Igreja, que, na verdade, são criadas pelos lobbies laicistas e anticatólicos”. (3)

Tudo será só distorção da Mídia? Não há crise na Igreja?

 

Para tentar responder essas questões penso que é conveniente dizer uma palavra sobre a atual crise da Igreja e o Sínodo sobre a família.

1. A crise nos meios católicos não é recente, tem mais de meio século. Com S. João Paulo II e Bento XVI deu-se a impressão que havia arrefecido. Na verdade, tal como um câncer, continuou a se propagar em amplos setores de Igreja que, enfraquecida tem sido cada vez mais atacada por seus inimigos externos. É o que nos diz Michel Schooyans em seu livro “O Evangelho perante a Desordem Mundial” ao afirmar que, desde o final do século passado, as questões morais ligadas à ideologia de gênero e novos paradigmas éticos são fomentados por grupos gnósticos e apoiados por organismos internacionais como a ONU e a OMS. (4)

Nesse mesmo capítulo do livro é dito que a autodenominada Conspiração de Aquário e os novos paradigmas propostos para destruir a ética cristã são o maior desafio para a Igreja desde o Arianismo.

Pe. Michel Schooyans

Ora, como diz Schooyans, o novo paradigma ético se infiltrou em muitas instituições – por exemplo, o Congresso dos EUA. Já na questão da moral sexual e muitos outros ouso dizer que se infiltrou também no campo católico. Basta ver a postura de episcopados como o alemão e o suíço ou o tratamento, dado por membros do episcopado brasileiro, às “Católicas” pelo direito de decidir” com suas teses criminosas a favor do aborto.

2. O resultado do Sínodo de 2014.

Para se ver como a crise da Igreja ficou patenteada durante o Sínodo em 2014 basta ver como foram os votos dos padres sinodais. Foram muitos os que se posicionaram em matéria sexual de modo absolutamente oposto à moral católica. A ala progressista só perdeu porque não obteve 60% dos votos em questões relativas à comunhão para casais em adultério e na aceitação dos valores positivos da homossexualidade. Chegaram perto… Houve aqui manipulação da mídia? Não, em absoluto. São simplesmente os resultados oficiais publicados pelo Vaticano. Agora, no Sínodo de 2015, aqueles que querem uma Igreja “renovada”, farão o possível e o impossível para mudar a moral católica sobre esses pontos. Eles são pertinazes.

Nesse sentido, voltando ao texto de D. Rifan, concordo quando ele diz com razão que “muitas vezes” a mídia deturpa notícias a respeito do Papa e da Igreja”. Contudo, também é verdade que muitas vezes onde há fumaça há fogo. Em outras palavras, há muitas fontes confiáveis que nos mostram que temos que nos preocupar com o que acontece no seio da Igreja e que esta só tem a perder quando se propaga um falso otimismo diante da crise atual. Nessa linha, como é possível constatar, o Sínodo não é simplesmente uma reunião de piedosos prelados preocupados com a esposa de Cristo, atuando sob a ação do Espírito Santo. Nele há homens com fé e homens sem fé, tal como no Concílio de Niceia ou de Constança, e em muitos outros. Defender o oposto é não entender nada da História da Igreja. Menos ainda da ação do Espírito Santo.

Em suma, estar atentos à ação de setores da mídia – e outros – que procura manipular informações para criar confusão nos meios católicos, é nossa obrigação. Desmascará-los, também, não há nenhuma dúvida. Por isso mesmo temos a obrigação de checar as fontes das notícias e analisá-las à luz da ética e da própria doutrina da Igreja.

Por outro lado, dourar a pílula, apresentar as coisas com um otimismo longe da realidade, é também desinformar. Lamentavelmente. Isso não contribui para formar católicos lúcidos que lutam pela vitória do bem na Igreja e na sociedade.

Cardeal Müller

Sobre manipulação é também importante frisar que a ala progressista agrava o problema porque, evidentemente eles sabem que para a opinião pública, em geral, não devem se apresentar como em oposição ao que a Igreja sempre ensinou. Pelo contrário, também falam na necessária unidade da Igreja e na ação do Espírito Santo (que iria favorecer suas aspirações…) Ademais se  empenham em dizer que têm o Papa ao seu lado. Tudo isso tem provocado reações de bispos, cardeais e teólogos que vêem a fé católica ameaçada. A tal ponto que o cardeal Müller, prefeito para a Congregação da Doutrina da Fé, está preocupado com possível Cisma na Igreja!

Nas postagens de hoje publico um manifesto de 50 teólogos e moralistas, professores em grandes universidades católicas, preocupados com uma tentativa de modificação da doutrina moral da Igreja.  Eles criticam especificamente o parágrafo 137 do Instrumentum laboris (documento de trabalho) que foi preparado para a XIV Assembléia Ordinária do Sínodo dos Bispos e publicado em 23 de junho de 2015 que consideram que propõe um método de discernimento moral que decididamente não é católico” (5)

Depois, outro artigo – sobre o Moto Próprio do Papa sobre nulidade matrimonial – mostra que este documento papal provocou descontentamento no Vaticano. Na verdade, parece haver um descompasso entre a doutrina e a prática. Ou seja, afirma-se uma teórica indissolubilidade do matrimônio – nada muda na doutrina da Igreja sobre o casamento – mas a pastoral abre caminho para que facilmente ele seja declarado nulo. (6)

Já o último artigo, extraído de fonte progressista, mostra como a questão de se facilitar o processo para declarar a nulidade de casamentos  vem de longa data. (7) Também a questão de se permitir que casais em segunda união tenham acesso à eucaristia. O Sínodo vai confirmar o que vem sendo preparado há bom tempo?

Espero que a leitura dos artigos e documentos contribuam para que o amigo leitor entenda melhor o que acontece na Santa Igreja de Deus. E que o ajude a se defender de todas as formas de manipulação. Venham de onde vier.

NOTAS:

1. Os termos “tradicionalistas”, conservadores, progressistas são normalmente usados para explicar diferenças de posição de grupos católicos dentro da Igreja. Termos adequados ou não? Refletem divisões reais na Igreja ou refletem uma visão mundanizada do que ocorre na Igreja? Ao tratar de explicar as notícias propagadas durante o Sínodo de 2014, o Papa disse que elas foram veiculadas segundo uma visão dos “mass media (…) um pouco segundo o estilo das crônicas esportivas ou políticas: falava-se com frequência de dois grupos, pró e contra, conservadores e progressistas, etc”.
Devemos saber que o Sínodo não é um parlamento, onde vem o representante desta Igreja, dessa Igreja, daquela Igreja. Não, não é assim! Sim, vem o representante, mas a estrutura não é parlamentar, é totalmente diversa. O Sínodo é um espaço protegido, para que o Espírito Santo possa agir; não houve oposição entre facções, como num parlamento onde isto é lícito, mas um confronto entre os Bispos, depois de uma longa tarefa de preparação, e que agora continuará com outro trabalho, para o bem das famílias, da Igreja e da sociedade. É um processo, é o normal caminho sinodal.
Fonte: Audiência geral 10/12/2015) 
 
2. http://www.zenit.org/pt/articles/francisco-eu-nao-sou-um-anticristo-nem-um-antipapa-se-voce-quiserem-posso-rezar-o-credo     23 de setembro de 2015.
 
3. D. Fernando é bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney. Veja o artigo completo em    http://domfernandorifan.blogspot.com.br/.
 
4. Ver SCHOOYANS, Michel, O Evangelho perante a Desordem Mundial – Prefácio do Cardeal Joseph Ratzinger, Grifo, Lisboa, s/d, cap. IV)
 
5. Destaque do site claravalcister.com
https://www.claravalcister.com/moral/um-apelo-o-brado-dos-professores-das-universidades-romanas-e-outras-ao-papa-francisco/
 
6. https://www.claravalcister.com/dogma/moto-proprio-do-papa-sobre-nulidade-matrimonial/
 
7. https://www.claravalcister.com/moral/divorciados-e-o-acesso-aos-sacramentos-o-plano-secreto-do-papa/

 

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