Padre Paulo Ricardo
Nos últimos tempos, o Papa Francisco tem abordado com frequência a questão do Pelagianismo. Mas, o que vem a ser isso? Trata-se de uma heresia iniciada por um monge oriundo da Bretanha, chamado Pelágio. Ele dizia que não era necessário o auxílio da graça de Deus para que o homem realizasse atos de virtude. Cristo morreu na cruz e deu o exemplo. Bastaria ao homem segui-lo. Santo Agostinho que por trinta anos viveu amarrado às correntes do pecado sabia que a afirmação de Pelágio era falsa. Ele sabia da incapacidade do homem em vencer o pecado sem o auxílio da graça divina.
A heresia pelagiana foi condenada no XV Sínodo de Cartago, iniciado em 01 de maio de 418, conforme se vê no “Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral”, popularmente conhecido como Denzinger-Hünnermann, a partir do número 225.
Algum tempo depois, a reflexão teológica iniciada por Pelágio ganhou um novo capítulo, pois, na Gália, atual França, surgiu uma segunda opinião acerca do tema. João Cassiano, o mesmo que escreveu as “Instituições Cenobíticas, tornou famoso Evágrio Pôntico e a doutrina dos Padres do Deserto no Ocidente, criou o chamado “semipelagianismo”, afirmando que a graça de Deus auxilia no momento de se vencer o pecado, mas que a iniciativa precisa ser do homem. Isso também não é verdade, pois, o amor de Deus é sempre o primeiro a dar o passo na direção do homem. O semipelagianismo foi condenado no II Sínodo de Orange, iniciado em 12 de julho de 526 (DH 730 e seguintes).
Para entender estas duas heresias e como elas influenciam de modo concreto e inequívoco a vida dos cristãos até os dias atuais, é necessário fazer uma distinção entre graça suficiente e graça eficaz. Lembrando que graça é o próprio Deus que se doa ao homem. O Espírito Santo quando é derramado nos corações é a graça por excelência.
A efusão do Espírito Santo, também conhecida como graça incriada, provoca no homem diversas mudanças que podem ser chamadas de graça criada. Elas são reações ocorridas no íntimo da própria pessoa, que se transmuda ao receber o Deus que se doa.
Deus se dá à pessoa, contudo, apenas o suficiente para que o processo de mudança ocorra de forma livre. A pessoa continua livre, pois somente na liberdade é que o amor pode acontecer e ser correspondido. Se Deus se oferecesse de maneira plena, com toda sua potência, o homem perderia a sua liberdade, pois Deus é irresistível. Assim, Ele oferece ao homem a chamada graça suficiente.
O conceito teológico de graça suficiente é a chave para se combater o semipelagianismo. Ela é como um carro que saiu da concessionária com combustível suficiente apenas para chegar ao posto de gasolina, mas não até o destino final, portanto, apenas para iniciar o caminho de conversão, mas não para chegar à santidade.
A graça suficiente age no homem para realizar a conversão do filho pródigo narrada no Evangelho de São Lucas, capítulo 15. Ele pensa: “pequei contra Deus e contra o meu pai, vou voltar para casa.” A partir dessa tomada de consciência, da graça suficiente que toca o coração humano, ele deve pedir, suplicar, implorar pela graça eficaz, aquela que é capaz de agir em seu coração, capacitando-o a vencer o pecado no dia a dia.
A graça eficaz não é merecida por ninguém, nem mesmo os grandes santos, por isso é preciso pedi-la. Santo Afonso Maria de Ligorio dizia: “quem reza se salva, quem não reza não se salva, se condena.” Ou seja, quem pede a graça de Deus a terá. E a graça eficaz fará com que a pessoa vença o pecado na batalha do dia a dia. Assim, quem não a pede não tem a força que ela traz.
Se a graça suficiente combate o semipelagianismo, a graça eficaz, por sua vez, combate o pelagianismo. Seja como for, em ambos casos, o homem é um mendigo diante da porta de Deus. Ele precisa bater e pedir a graça. Deus a concederá não porque o homem a mereça, mas porque Ele é Bom.
Para recebê-la, contudo, é preciso ser como as virgens prudentes do Evangelho de São Mateus (25), que enchem as suas lâmpadas com o óleo da oração. Pedir insistentemente, bater à porta, fará com que aconteça o que Jesus prometeu: “pedi e recebereis, batei e abrir-se-vos-a, vos será dada uma medida calcada, sacudida, abundante que será colocada em vosso regaço”(Mt 7,7): a graça de Deus.
Para isso, é preciso não se contentar com a graça mínima, suficiente, mas pedir incessantemente e confiar Naquele que prometeu que irá derramar a graça de fazer com que cada um O ame de todo o coração.
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