- Introdução: A missa e a confissão na visão dos reformadores.
Os reformadores do século XVI opuseram-se ao ensinamento católico sobre os sacramentos. Para a Igreja os sacramentos são 7. Para Lutero seriam apenas 2: O batismo e a Santa Ceia. Neste caso, contudo, esta seria apenas um memorial, uma lembrança piedosa da morte de Cristo, não uma atualização do sacrifício da Cruz como ensina a Igreja.
Curiosamente, apesar da concepção Luterana da Eucaristia ser, no começo de suas críticas à Igreja, semelhante ou igual a do Catolicismo, o reformador alemão mais tarde, chegou a dizer sobre ela:
“Lutero vai se levantar contra a Missa, “a maior e mais horrível das abominações papistas; (…) Sim, eu o digo, todas as casas de tolerância, que, entretanto, Deus tem severamente condenado, todos os homicídios, mortes, roubos e adultérios são menos nocivos que a abominação da missa papista” (DTC 1305).
O autor do verbete sobre Lutero no DTC (Dicionário de Teologia Católica) complementa:
“O ensino vai substituir o sacrifício, a cátedra vai substituir o altar. (…) o novo culto será simples. Todos os cristãos são sacerdotes; portando, todos comungarão sob duas espécies. Na Eucaristia, Jesus Cristo não está constantemente presente, mas só o está no momento da função e da ceia. Logo, fora do ofício não se há de ir ao templo para rezar. E para coroar tudo o mais, o vernáculo será introduzido no culto e substituirá o latim, língua oficial da Igreja do Ocidente. Desse modo Lutero se aproximava do povo e o interessava na causa da Reforma. Finalmente, no primeiro plano estará o sermão; no segundo, a prece; e só no terceiro, a confissão e a ceia.” (DTC) (…)
Passemos agora a ver os quadros comparativos entre as ideias reformistas e as progressistas conforme meu texto de 1973-74.
- Uma Nova Missa: Ceia ou Sacrifício?
Pseudo-Reforma – “Transformou-se a missa num sacrifício; acrescentaram-lhe ofertórios. A missa não é um sacrifício ou a ação de um sacrificador. Encaremo-la como sacramento ou como testamento. Chamemo-la benção, eucaristia, mesa do Senhor. De-se-lhe qualquer outro título que se queira, desde que não se venha a maculá-la com o título de sacrifício” (…) – “No ‘Cativeiro da Babilônia’ Lutero tinha denunciado com veemência o tríplice cativeiro da Eucaristia: recusa do cálice aos leigos, dogma da transubstanciação, dogma da missa considerada como sacrifício e como obra satisfatória e meritória”. Achava ainda que “era preciso recitar em alta voz as palavras da consagração”. (DTC cols. 1297 – 1298). | Progressismo – “O essencial da eucaristia, isto é, do banquete eucarístico, seria o reunir-se em nome de Cristo para partilhar o pão como símbolo de que se faz parte de uma comunidade” (Curso catequético experimental na Holanda. Cfr La Chiesa nel Mondo, nº 43, pg. 33). |
A maneira como os protestantes conseguiram, aos poucos, enganar os fiéis modificando o sentido da missa é descrito por Grisar:
“Quem entrava, após a vitória de Lutero (…) na igreja paroquial do lugar, ainda encontrava no serviço divino as antigas vestes eclesiásticas e ouvia os cânticos em latim. Durante a missa, na elevação erguia-se a Hóstia, que assim era mostrada ao povo. Aos olhos dos fiéis a Missa era ainda sempre a mesma, só que Lutero havia querido que se omitissem todas as orações que apresentavam aquele ato litúrgico como um sacrifício. Ao povo, propositadamente nada se dizia… a forma da celebração da Missa, explicava Lutero, é algo de estritamente exterior; as palavras condenáveis, alusivas ao sacrifício, de preferência sejam supressas, quando isto se faça sem escândalo, e desde que os cristãos comuns também não o percebam” (Lutero, la sua vita e le sue Opere, Torino, SEI, 1956, pg. 208 – cfr. Catolicismo nº 242, fevereiro de 1971).
O método usado no século XVI está sendo usado no século XX: aos poucos o povo católico vai sendo formado numa nova religião, em oposição aos ensinamentos imutáveis da verdadeira Igreja. O progressismo, neste campo, avança com toda a reflexão e prudência pois é preciso antes “conscientizar” o povo da necessidade das reformas. Porém, como diz São Pio X na Pascendi, mal percebem que quando assim se exprimem estão confessando que a consciência coletiva diverge dos seus sentimentos, e que, portanto, não têm direito de declarar-se intérpretes da mesma ou afirmar, hipocritamente, que as mudanças são exigidas pelo povo.
Atualmente a grande tragédia não é só o fato de inúmeros padres e bispos progressistas afirmarem que a missa é uma ceia, que não é um sacrifício. Isso já é motivo suficiente para afligir uma alma verdadeiramente católica (…)
(…)
Cremos que com isso fica mais fácil compreender o afã de certos inovadores que procuraram destruir todo o antigo ritual da Missa. É por isso que, em paróquias ou dioceses dominadas por um progressismo mais radical (2) como já dissemos, muitas igrejas têm hoje o mesmo vazio sepulcral que os templos reformados, onde o importante é “a palavra de Deus”. O padre transforma-se numa espécie de presidente da assembleia e da comunidade e os fiéis praticamente não têm mais símbolos que lhe ensinem que a missa é a renovação do sacrifício da cruz.
Era essa ideia da renovação misteriosa e incruenta da morte de Nosso Senhor Jesus Cristo que fazia com que se procurasse celebrar a Missa de forma nobre, sacral, séria, mas também suave e com uma nota de tristeza cheia de equilíbrio. Daí a harmonia profunda do gregoriano ou a elevação tão variegada do canto polifônico. (…)
Com efeito, perguntamos, como alguém pode acreditar no caráter sacrifical do Sacramento do Altar quando a Missa que assiste é celebrada, como em certos lugares na Holanda, em casas particulares em que todos, reunidos em torno de uma mesa comum, “consagram” um pão e um vinho também comuns? E como um adolescente, que se habitua a participar de uma “missa jovem”, em que tudo parece um festival, deixará de ter a ideia que a Missa é simplesmente uma comemoração de uma alegre ceia? O que há nessas celebrações que faça com que os fiéis sejam convidados ao recolhimento, à contrição, ao desejo de se unir às dores de Nosso Senhor, ou mesmo a verdadeiros sentimentos de adoração?
- Confissão Comunitária
Pseudo-Reforma – Como é sabido os protestantes negam o sacramento da penitência. Normalmente, nos cultos reformados, se faz uma espécie de confissão coletiva durante o ofício religioso. É coerente para quem nega a instituição do sacerdócio e não aceita ninguém acima de si mesmo a não ser Deus. | Progressismo – Para os “grupos proféticos”, grupo mais radical do progressismo, “a penitência é posta em questão, já que, tal como se pratica, ela é algo de estranho e intolerável para o homem de hoje. Deve ser substituída por liturgias penitenciais coletivas”. (Fêtes e Saisons, nº 217, pgs 14-18. Cfr. Catolicismo nº 221, p. 16). – Este ideal, proposto por esses grupos ocultos infiltrados na Igreja, já é colocado em prática em muitas dioceses, como por exemplo a de Teófilo Otoni, em Minas Gerais. Em “carta aos irmãos”, diz D. Quirino Adolfo: “Jesus nos deu (…) o sacramento da reconciliação, chamado também penitência, ou confissão. Assim, a reconciliação tem sentido comunitário embora a gente se confesse, quando possível, individualmente. Entre nós, devido às nossas condições, a celebração desse sacramento tem sempre cunho comunitário. Quando possível, deve-se procurar um padre, também para se aconselhar em particular, principalmente quando se tem uma coisa pesada no coração. Isso quando for possível, uma vez cada ano”. |
Notemos como o texto de D. Quirino, já nos anos 70, não ousa negar diretamente o sacramento. Contudo, ele prepara os fiéis a se acostumarem com uma confissão coletiva e não individual. Esta, como é sabido, é feita só entre o fiel e o sacerdote.
Notas:
- O destaque em itálico não está no original dos anos 70.
- Texto inserido hoje.
- No próximo artigo faremos a comparação entre a moral reformista e a do progressismo.