A SUBLIMIDADE DA DIGNIDADE MORAL
«Nenhuma antropologia se iguala àquela da Igreja sobre a pessoa humana, considerada também singularmente, acerca de sua originalidade, sua dignidade, seu caráter intocável, da riqueza de seus direitos fundamentais, sua sacralidade, sua educabilidade, sua aspiração a um desenvolvimento completo, sua imortalidade» (1)
Começo destacando alguns pontos da Dignitas Infinita:
“3. Desde o início da sua missão, impelida pelo Evangelho, a Igreja se esforçou para afirmar a liberdade e para promover os direitos de todos os seres humanos.[3] (…) (2).
6. Desde os inícios de seu pontificado, Papa Francisco convidou a Igreja a «confessar um Pai que ama infinitamente cada ser humano» e a «descobrir que “com isso mesmo lhe confere uma dignidade infinita”»,[8] sublinhando com força que tal imensa dignidade representa um dado originário que se precisa reconhecer com lealdade e acolher com gratidão. Sobre tal reconhecimento e acolhimento é possível fundar uma nova coexistência entre os seres humanos, que modele a socialidade em um horizonte de autêntica fraternidade: unicamente «reconhecendo a dignidade de cada pessoa humana, podemos fazer renascer entre todos uma aspiração mundial à fraternidade».[9] Segundo Papa Francisco, «esta fonte de dignidade humana e de fraternidade está no Evangelho de Jesus Cristo»,[10] mas é também uma convicção à qual a razão humana pode chegar através da reflexão e do diálogo, dado que «se é preciso respeitar em toda situação a dignidade dos outros, é porque nós não inventamos ou supomos tal dignidade, mas porque existe efetivamente neles um valor superior em relação às coisas materiais e às circunstâncias, que exige que sejam tratados de outro modo. Que cada ser humano possui uma dignidade inalienável é uma verdade correspondente à natureza humana, para além de qualquer mudança cultural»[11]. Na verdade, conclui Papa Francisco, «o ser humano possui a mesma dignidade inviolável em qualquer época histórica e ninguém pode sentir-se autorizado pelas circunstâncias a negar esta convicção ou a não agir em consequência».[12] (Destaque do site claravalcister)
Esta última frase liga de modo magnífico a dignidade ontológica com a dignidade moral. Na verdade, mostra a ligação necessária entre todas elas.
Depois de afirmar que a expressão “dignidade da pessoa humana” pode prestar-se a muitos significados e assim a possíveis equívocos [14] e contradições (…) bem como dizer que o sentido mais importante de dignidade “é aquele ligado à dignidade ontológica (destaque do site claravalcister) o documento do Vaticano diz:
Quando se fala de dignidade moral, deseja-se referir ao exercício da liberdade por parte da criatura humana. Esta última, ainda que dotada de consciência, permanece sempre sujeita à possibilidade de agir contra ela. Fazendo assim, o ser humano se comporta de um modo que “não é digno” da sua natureza de criatura amada por Deus e chamada a amar os outros. Mas esta possibilidade existe. E não só: a história atesta que o exercício da liberdade contra a lei do amor revelada pelo Evangelho pode alcançar picos incalculáveis de maldade provocada aos outros. Quando isso acontece, encontra-se diante de pessoas que parecem ter perdido qualquer traço de humanidade, qualquer traço de dignidade. A este respeito, a distinção aqui introduzida ajuda a discernir propriamente entre o aspecto da dignidade moral, que pode ser de fato “perdida”, e o aspecto da dignidade ontológica, que não pode jamais ser anulada. E é justamente em razão desta última que se deverá trabalhar com todas as forças para que todos que cometeram o mal possam arrepender-se e converter-se.
Comento
Aqui, me parece, entra o ponto chave da compreensão de todos os sentidos da dignidade da natureza humana. É o ponto central de todo o documento, ponto que deve ser levado devidamente em conta por todos os que, na Igreja, querem ser fiéis a ela e a Cristo. É ele que me faz dizer que a dignidade moral é sublime pois dela depende a realização de todas as demais. (destaque do site claravalcister).
Por quê?
Vejamos.
Se a dignidade humana ontológica é infinita podemos dizer que a dignidade moral é sublime. Simplesmente porque ela não nos faz “apenas” criaturas de Deus, ela nos faz, filhos de Deus (3).
É dito que a dignidade moral “refere-se ao exercício da liberdade por parte da criatura humana”. Ou seja, o grande dom da liberdade que Deus nos concedeu para conhece-Lo, amá-lo, servi-Lo, é parte da nossa natureza, é também ontológico. Faz parte do nosso ser. Ora, se queremos entender e amar todos os sentidos de nossa dignidade isso só poderá ser feito pelo uso correto de nossa liberdade, ou seja, quando a exercemos mantendo a procura da verdade, do bem e da beleza.
Daí vem a pergunta: o que o documento do Dicastério para a Doutrina da Fé, com aprovação do Santo Padre, quer que não esqueçamos de forma alguma?
Nossa dignidade ontológica, pois, somos criaturas de Deus.
E por que não devemos esquecê-la? Porque se o fizermos não poderemos ter dignidade moral e nenhuma outra.
Contudo, há ainda uma outra pergunta: para que fomos criados? Qual é a finalidade de nossa existência, de nossa vida, aqui na terra?
É absurdo imaginar, menos ainda afirmar, que existimos só para existir. Vivendo alheios ao nosso fim.
Nossa existência é um dom maravilhoso, mas ela tem sua finalidade. Esta existia antes do pecado original, continua depois dele. Por si só, nada nos serve, ainda que cada um de nós tivesse todos os bens deste mundo. Eis porque Cristo nos disse: “De que adianta ao homem ganhar o Universo se vier a perder a sua alma?” (4).
Como também afirma a Dignitas Infinita fomos criados como pessoas, responsáveis por nossa liberdade. Sabendo usá-la, cumpriremos nossa missão na terra e chegaremos a Deus com O qual viveremos eternamente.
Não sendo assim não seremos capazes de entender, aceitar, amar a dignidade intrínseca de cada ser humano. Jamais entenderemos que o ser humano é a obra prima da criação. Só saberemos ver o ser humano como objeto, mercadoria, ou seres abjetos, sem valor, descartáveis.
Em muitos momentos da história crimes horríveis aconteceram em que nós homens, ao agirmos mal, tratamos os outros como se fossem vermes. Ou baratas, como os hutus denominavam os hutsis (5).
Parece-me que, com tudo o que foi dito acima, fica demonstrado que, do ponto de vista prático, concreto, a dignidade moral é mais importante que a ontológica. Ela é que permite que atinjamos nossa finalidade que é Deus. (6).
É a dignidade moral que nos permite entendermos, praticarmos, obtermos, toda forma de dignidade que nasce da liberdade humana e da graça.
É a dignidade moral que nos faz anunciar o Evangelho, a sermos apóstolos, a termos sede de almas, a desejar que cada ser humano, seja quem for, de qualquer época, de qualquer lugar, cumpra com o plano de Deus e se realize plenamente.
Dignidade moral que exige que saibamos escolher o caminho de Cristo. O que exigirá que bebamos de seu cálice, que saibamos escolher a estrada real da Santa Cruz.
Como cita S. Luís de Montfort:
Escolhe uma das três cruzes que vês no Calvário,
Escolhe com cuidado, porquanto é necessário,
Que sofras como santo, ou como penitente,
Ou como condenado, eterno descontente. (7)
Notas
- S. Paulo VI, Audiência geral (4 de setembro de 1968): Insegnamenti VI (1968), 886.
- O documento do Dicastério para a doutrina da fé tem notas entre colchetes que podem ser vistas acessando o link oficial do Vaticano (https://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_ddf_doc_20240402_dignitas-infinita_po.html – Já as notas próprias do site claravalcister estão entre parênteses, em itálico e sublinhadas.
- Tornamo-nos filhos de Deus pelo batismo. Através dele recebemos os dons do Espírito Santo e a graça santificante e, maravilha, passamos a participar da própria vida divina.
- Marcos 8:36
- Cerca de 11% dos ruandeses e ¾ da população tutsi foram eliminados em apenas um trimestre. Grande número daqueles considerados hutus decidiu exterminar pessoalmente os tutsis e os hutus moderados em abril de 1994, com requintes de crueldade inimagináveis. Como dito, para eles, os inimigos não eram seres humanos, eram apenas… baratas…
- Na vida de todos os povos o que sempre foi destacado foi a dignidade moral de cada homem, as virtudes, a honra de cada um. Em suma, se estamos atingindo nossa finalidade enquanto homens. Eu e você que temos filhos, o que mais desejamos de cada um? Simplesmente que existam? Ou que sejam dignos, honestos, honrados? Que deixem rastro?
Neste sentido transcrevo aqui uma passagem do Papa Francisco em seu diálogo com o rabino argentino Abraham Skorka:
“Quero retomar o tema da herança. Pensar que temos que deixar uma herança é uma dimensão antropológica e religiosa extremamente séria, que fala de dignidade. É dizer a si mesmo: não me encerro em mim, não me limito à minha vida, o que é meu vai passar pelo menos a meus filhos, a quem deixarei uma herança. E, mesmo que não tenha filhos, a herança existe. Isso na Bíblia é muito forte. É o exemplo da vinha de Nabot (…) o filho a recebe e não vai vende-la; conserva-a, e também vai transmiti-la às futuras gerações Aquele que vive só o momento não pensa na questão da herança, só se importa com a conjuntura, com os anos de vida que pode ter. A herança, porém, se desenvolve na peregrinação da humanidade no tempo: o homem recebe algo e tem que deixar algo melhor. Quando somos jovens, não olhamos tanto para o final, valorizamos mais o momento. Mas eu me lembro de dois versinhos que minha avó me ensinou: “Mira que te mira Dios,/ Mira que te está mirando:/ mira que te has de morir/ y no sabes cuándo”. Ela os guardava debaixo de um vidro em seu criado mudo, e os lia cada vez que ia para a cama. Depois de setenta anos não os esqueci!”
Fonte: Francisco, Papa, 1936. Sobre o céu e a terra/ Jorge Bergoglio, Abraham Skorka; trad. Sandra Martha Dolinski. – 1ª ed. – São Paulo: Paralela, 2013.
7. Poema citado por S. Luís na sua obra “Carta Circular aos amigos da Cruz”.
Observação: nos próximos artigos veremos: 1. A dignidade social e a existêncial na Dignidade Infinita. 2. A recepção da DI na Igreja: A esperança. 3. A DI vista pelos progressistas. Possíveis perigos?