É atribuído a João XXIII o dito de que “o pior terço é aquele que não se reza”. Longe estava o santo antecessor de Bento XVI de considerar esta devoção mariana, tão cara a Nossa Senhora, como uma forma de oração menor.
Pelo contrário, sempre a louvou e a praticou com constância e amor. Ficou célebre, num consistório de cardeais que se efetuou nos princípios da década de noventa, a sua atitude de filho de Maria, que gostava de agradar e falar com a sua Mãe. O Santo Padre estava presente em quase todas as sessões, a que, obviamente, presidia. Numa delas, depois de várias horas de comunicações e intervenções dos ilustres purpurados, João Paulo II, discretamente, pegou no seu terço e começou a passar as contas…
Há gente que considera o terço uma maneira primária de rezar, enfim, uma sistemática repetição das mesmas coisas, que dificilmente tem sentido. Conta-se, a este respeito, que um bispo americano, que orientava um jovem rapaz de boa formação e prática católica, assistiu ao começo do namoro deste seu amigo com uma moça de outra confissão cristã diferente, como tantas que existem nesse país. A pouco e pouco, a amizade entre os três foi-se sedimentando.
Um dia, na ausência do rapaz, a moça disse de modo delicado ao prelado: “Tenho muita dificuldade em entender como rezam os católicos. Por exemplo, o terço. Repetem Ave-marias sobre Ave-marias. Estarão com atenção? É isso rezar?… Há de convir que, pelo menos, é uma prática maçante e aborrecida…”
A conversa ficou-se por aí. Encontrando-se os dois nas mesmas circunstâncias algum tempo depois, o bispo perguntou-lhe: “Já viste hoje o teu namorado?” “Estive com ele só um pouquinho, na parte da manhã…”. “E de que é que falaram?” “Muito simples: como não tínhamos mais tempo, ele disse-me que gostava muito de mim…”. “E tu gostaste?” “Claro, respondeu a moça, é o que ele me diz sempre quando não há tempo para mais…” “E tu gostas disso?” “Com certeza. É o meu namorado…” “É curioso. A mim isso parece-me algo assim como o terço. Repete-se sempre a mesma coisa…” E acrescentou, olhando-a com um sorriso: “Hás de convir que, pelo menos, é uma prática maçante e aborrecida…”
Claro que não achava maçante e aborrecida a forma como o namorado a tratava, quando tinham pouco tempo para se verem. Esta observação serviu-lhe para compreender que o terço não é um mero papaguear de fórmulas e cultivar a distração. Se se reza com amor, vai direto ao Coração de Maria, que está cheio de misericórdia e poder de intercessão. Foi o princípio da sua conversão ao catolicismo.
E deve ser uma oração esforçada e bem rezada. Lembremos a censura maternal da Senhora de Fátima aos três pastorezinhos, que rezavam o terço sintético apenas dizendo, em cada mistério, “Ave-Maria” dez vezes, enunciavam o “Glória” e, por fim o “Pai-nosso”, para se livrarem dessa obrigação que os pais lhes recomendavam, e terem assim mais tempo para brincar. Maria “ralhou-lhes”, como Mãe, e, a partir daquele momento, passaram a rezar as contas como devia ser, isto é, dizendo as orações completas que ele comporta.
Mês de Outubro, Mês do Rosário. A nossa Mãe espera a prenda diária do nosso terço bem rezado. E se não nos for possível alguma vez completar esta oração, que tenhamos com ela algum pormenor de amor: um pequeno sacrifício, um mistério do terço, uma Ave-Maria muito compenetrada. E porque não? Rezarmos, nas nossas casas, em família, o terço ou qualquer outra oração que reúna todos os membros à volta da Virgem do Rosário.
(Pe. Rui Rosas da Silva – Prior da Paróquia de Nossa Senhora da Porta Céu em Lisboa in Boletim Paroquial de outubro de 2008, seleção do título da responsabilidade do blogue)
Publicada por Spe Deus à(s) Segunda-feira, Outubro 07, 2013