MONSENHOR VICENTE ANCONA
Fomos surpreendidos na manhã do dia 11 de fevereiro. Bento XVI (logo ele!), rompendo uma tradição de 600 anos, anunciou que iria renunciar. Voltou-se a viver um clima parecido ao do Concílio Vaticano II, no qual a mídia discutia diariamente questões teológicas e morais.
Diz-se que a igreja está encolhendo e em trajetória de extinção. Por que então a figura do papa ainda desperta tanto interesse? Talvez a resposta esteja na própria compreensão que a igreja tem do papa. Por mais atrevido que possa parecer, nós, católicos, acreditamos que ele não erra ao transmitir a doutrina de Jesus Cristo.
Não é pouco. Jesus disse “Eu sou a Verdade”. Por esse motivo, a igreja afirma que há verdades inegociáveis, e não apenas consensos. Ela ainda aposta, por exemplo, na capacidade (e na beleza) de se viver a fidelidade conjugal e a castidade.
“Não vim abolir a lei, mas cumpri-la”, explicava Jesus. Ele não veio modernizar os dez mandamentos da lei de Moisés. Com a igreja ocorre o mesmo. Ela não negocia o núcleo da sua doutrina.
Temos a mesma fé de Pedro, de Agostinho e de Teresa de Calcutá. E estamos agradecidos por tantas gerações de católicos que souberam respeitar as condições de sustentabilidade da sua fé. Há uma linha ininterrupta de 264 papas que nos transmite o tesouro que Pedro e os apóstolos receberam diretamente de Jesus Cristo. O papa não é o produto midiático de uma época, mas transcende o seu tempo.
Isso significa que a igreja vive da inércia? Em absoluto. Mas ela não necessita, neste momento, modernizar as suas propostas pastorais, pois o Concílio Vaticano II já o fez. Foram estabelecidas as pontes para um diálogo construtivo com o mundo moderno. Trata-se agora de continuar a implementá-las.
O Concílio Vaticano II ofereceu luzes para a ação da igreja no mundo. Permitiu uma compreensão mais profunda das consequências da liberdade, da secularidade e do pluralismo. A igreja está apta a conviver com a cultura política contemporânea e a sociedade pós-moderna. A verdade deve ser proposta, e não imposta, repetiu diversas vezes Bento 16.
Os textos do Vaticano II são uma eloquente manifestação desse equilíbrio entre continuidade e reforma, cujo mérito se deve a Paulo VI. No entanto, a interpretação de um concílio nunca é um céu de brigadeiro. Sempre há a tentação da ruptura com a verdade revelada, na tentativa de substituí-la pelas opiniões do momento.
João Paulo II e Bento XVI, ambos protagonistas do Vaticano II, sofreram enorme pressão para que pactuassem com tal ruptura. No entanto, escolheram outra via de modernização para a igreja. Estavam serenamente convictos de que o verdadeiro concílio exigia a hermenêutica da reforma na continuidade.
Os dois rejuvenesceram a igreja, tanto com os seus escritos -o catecismo da Igreja Católica é surpreendentemente contemporâneo!- como com as suas vidas. Que o digam os funerais de João Paulo II, com 174 chefes de Estado e milhões de peregrinos.
Esse equilíbrio entre reforma e tradição é o milagre constante da igreja e o seu desafio permanente. Não é fácil explicar como uma instituição, que começou sendo governada por uns pescadores da Galileia, tenha sobrevivido a tantos impérios, revoluções e cataclismos. Há algo nela que ultrapassa a nossa compreensão.
Quando aparecer a “fumata bianca” e for anunciado “Habemus papam” -seja quem for-, vou me posicionar diante da TV para receber a sua bênção. Penso que não conseguirei segurar as lágrimas de alegria, porque a igreja de sempre continua viva e caminha na história.
MONSENHOR VICENTE ANCONA LOPEZ, 63, é vigário regional do Opus Dei no Brasil
Artigo publicado em 10/03/2013 na Folha de São Paulo
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/97577-o-concilio-ja-modernizou-a-igreja.shtml