A Dignidade humana é infinita?
Infinito não é só Deus? É o que muita gente deve ter pensado ao ler o documento da Santa Sé “Dignitas infinita”.
Quando comecei a analisar o documento na semana passada (1), simplesmente relacionei sua leitura com certas graças que recebi em minha juventude. Hoje vou responder se é possível que o ser humano tenha uma dignidade infinita. Afinal, como disse, tinha certeza que muitos estranhariam a afirmação. Estranheza não só de fiéis comuns, mas também de especialistas acostumados a estudar textos da Igreja sejam eles clérigos ou leigos, jornalistas ou teólogos.
Seria bom discutir a palavra infinita apelando para a filosofia ou para a teologia? E a física? Poderia nos ajudar a entender o assunto?
Escolhi um caminho mais simples: o da linguagem comum. No dia a dia, muitas vezes, a exageramos para realçar certas ideias. Exagero inclui um pouco de mentira… Mesmo assim, nós a aceitamos porque contribuem para que certas verdades fiquem mais claras.
Um exemplo: Você está em um uber e o rádio, o velho rádio está ligado. O locutor diz que vai homenagear uma jovem que faz aniversário. A mãe da jovem é convidada a dar os parabéns. A senhora, toda entusiasmada diz: – “Oi filha querida, meus parabéns! Muitas felicidades! Obrigada por você existir! Você é a melhor filha do mundo. Não há ninguém como você! Te amo com um amor do tamanho do Céu!” Etc, etc, etc.
Será que a menina era tudo aquilo mesmo? Ou a Sra. Luísa exagerou? Você pode até pensar: Como é que ela diz isso? Nem conhece a MINHA filha!
Em suma, todos sabemos muito bem que a mãe foi hiperbólica. Só quis mostrar seu amor pela filha. Exagerou um “pouquinho” para falar de um amor real.
Amor real que pode ser expresso com o encanto do romantismo. O poeta apaixonado assim fala à sua amada:
“Se eu fora rei, senhora, se eu tivera,
Império, trono, cetro, c’roa de ouro,
Paços – de arte magníficos tesouro,
E vassalos submissos aos milhares,
Vasos e naus, que o amor não contivera,
Se eu fora rei senhora, tudo eu dera
Por um dos teus olhares. (2)
Outro exagerado… dizendo verdades…
.
Agora, deixemos a linguagem comum e a poética. Vamos ver a linguagem teológica.
O que ela nos diz? Podemos ter dignidade infinita?
A resposta é simples. Nenhum de nós é infinito como Deus
O que podemos afirmar é que a dignidade humana é infinita por participação, por relação.
Nossa dignidade existe, diz o documento do Vaticano, “pelo simples fato de sermos pessoas, que se baseia em dois pontos: existir e ter sido criado e amado por Deus” (3).
Essa dignidade existe pelo simples fato de existirmos e enquanto existirmos. Não nos foi dada por ninguém, a não ser Deus. Ela não depende de nenhum governo, de nenhum Judiciário, de nenhum Estado, de nenhuma sociedade. Ela é intrínseca ao homem.
É essa dignidade metafísica, ontológica que deveríamos ver em cada ser humano. Deveríamos, com frequência não vemos. Ela não depende de nossa cor, raça, beleza, ideologia, condição social e, nem mesmo, vejam bem, de alguma circunstância ou de nosso comportamento.
Uma analogia: a perfeição
Suponhamos que eu diga: “Você e eu nascemos para ser perfeitos!”
Aqui entra, novamente, o modo de usarmos a linguagem. Também aqui podemos afirmar que depende do sentido que damos à palavra perfeito.
Lembra-se do nascimento de seus filhos? Lembra-se do que perguntou ao médico depois do parto? – “Estão bem? E o bebê?” O médico respondeu: -“Tudo ótimo. A criança é perfeita”.
Claro está que ele não afirmou que seu bebê era Deus. Disse simplesmente o que a palavra quer dizer em latim. Perfeito vem do latim: perfectus. O médico só disse que a criança estava completa, nada lhe faltava. (4).
Quando falamos que Deus é perfeito estamos dizendo que Deus é a Suma perfeição. Ato puro a quem nada falta.
Deus é eterno. E nós?
Deus é Infinito, Perfeito, Eterno. A eternidade divina não tem nem começo e nem fim e, por isso, dizemos que Deus está fora do tempo. Toda a Criação está no tempo. Homens e Anjos são os seres mais elevados. Não somos apenas imagens de Deus, somos semelhantes a Deus, pois temos inteligência e vontade. Nascemos com liberdade. Tivemos começo. Não teremos fim. Somos, na linguagem teológica, eviternos.
Quem é Deus?
Quando perguntamos “O que é Deus?”, o Catecismo nos responde: Deus é um Ser Pessoal. Eterno, Infinito, Onisciente, Onipotente, Transcendente, Simples, não composto, e fez o mundo do nada. A Revelação completa o que dEle sabemos: Deus é Uno e Trino, Um só Deus em três Pessoas, O Pai, o Filho e o Espírito Santo.
Um Deus sumamente bom, que nos criou para O amarmos eternamente. Para participarmos, de modo misterioso, de sua vida infinita. Para O vermos face a face. Mesmo depois do pecado original.
Como é possível?
Com nossa correspondência à graça. Isso implica não somente que jamais esqueçamos nossa dignidade ontológica; que não esqueçamos como Deus nos criou, mas, sobretudo, que nossa existência só atingirá sua finalidade através da dignidade moral.
Uma dignidade sublime!
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Notas:
- Leia: https://www.claravalcister.com/dogma/consideracoes-sobre-a-dignitas-infinita-1/
- Victor Hugo. A uma mulher.
A poesia continua:
Se eu fora Deus, senhora, se eu tivera
Anjos, demônios, a meus pés curvados,
O caos profundo, os mundos constelados,
Os mares com seus bravos escarcéus,
A terra, o ar, a eternidade, os céus,
Se eu fora Deus, senhora, isto valera,
Um só dos beijos teus
(tradução de Lucindo Filho)
3. Dignitas Infinita, 7.
4. Perfeito vem do latim “perfectus” “completo”, particípio passado de PERFÍCERE, acabar.terminar,completar, de Per, completamente, de todo, sem faltar nada. Mais FACERE, fazer, levar a efeito. Observação: pergunta razoável quando não havia ultrassom…