Em relação ao Opus Dei, algumas questões são levantadas com frequência, tanto em relação à missão que realiza como ao seu contexto e lugar na Igreja.
O autor se detém em três dessas questões comuns, evitando os tecnicismos jurídicos que um estudo de direito canônico exigiria, mas sem abandonar a precisão. (Almudi.org)
Segue o artigo de Ricardo Bazan:
“Há algumas semanas, quando foi publicado o motu proprio Ad carisma tuendum do Papa Francisco sobre a prelazia pessoal do Opus Dei, tive a oportunidade de conversar com alguns jovens que – devido a uma série de comentários – procuravam esclarecer algumas dúvidas sobre esta norma pontifícia a respeito do Opus Dei.
Nesta ocasião optei por perguntar-lhes que definição dariam ao Opus Dei . Entre as diversas respostas que deram, prefiro uma: é uma instituição da Igreja Católica cujos membros buscam a santidade através do trabalho e da vida cotidiana. Esta definição nos ajudará a comentar o que é uma prelatura pessoal, seu contexto e lugar na Igreja, bem como abordar algumas questões: se é um privilégio para uma elite da Igreja e se o Opus Dei é uma espécie de ” Igreja”.
A prelazia pessoal é um privilégio do Opus Dei?
Em 28 de novembro de 1982, o Papa João Paulo II estabeleceu o Opus Dei como uma prelatura pessoal através da Constituição Apostólica Ut sit. Até aquela data, esta instituição tinha a figura jurídica de um Instituto laico, no qual se encontravam diferentes realidades eclesiais equiparadas a institutos religiosos, ou seja, fiéis da Igreja que se consagram a Deus por meio de votos e vivem segundo normas devidamente aprovadas pela autoridade da Igreja. Portanto, é natural que surja a seguinte pergunta: por que São João Paulo II concedeu esta nova figura de prelatura pessoal ao Opus Dei? Seria um privilégio? Para responder a essas perguntas, é preciso primeiro saber o que é uma prelazia pessoal e em que consiste a realidade do Opus Dei.
A figura da prelazia pessoal é relativamente nova, pois aparece no n. 10 do decreto Presbyterorum ordinis, do Concílio Vaticano II. Lá se lê: “Onde a consideração do apostolado o exigir, torne mais viável, não só a distribuição conveniente dos presbíteros, mas também as obras pastorais peculiares aos diversos grupos sociais que devem ser realizadas em alguma região ou nação, ou em qualquer lugar da terra. Para isso, portanto, podem ser utilmente estabelecidos alguns seminários internacionais, dioceses especiais ou prelaturas pessoais e outras disposições semelhantes, nas quais os presbíteros podem entrar ou ser incardinados para o bem comum de toda a Igreja, segundo normas que devem ser determinadas para cada caso, sempre salvaguardando os direitos dos Ordinários locais” (cf. cânon 294 Código de Direito Canônico).
Ou seja, é uma figura muito flexível, orientada não só para a distribuição dos sacerdotes, mas também para as peculiares obras pastorais em que estão incardinados, ou seja, dependem dela, sacerdotes com vistas a atender aquela peculiar trabalho ou, em outras palavras, para atender a um grupo de fiéis.
Assim, as prelaturas pessoais são figuras que permitem uma melhor atenção aos fiéis segundo aquela obra particular, segundo aquela necessidade, ao contrário das dioceses, que se caracterizam pelo território em que estão sediadas. Em outras palavras, os fiéis de uma diocese pertencem a essa circunscrição porque residem naquele território e, portanto, no que diz respeito à missão geral da Igreja, dependerão do bispo do lugar e poderão gozar a atenção dos sacerdotes incardinados naquela diocese.
Por outro lado, as prelazias pessoais apresentam um critério pessoal, ou seja, onde há um fiel da prelazia, que necessita dessa atenção particular, ele deve ser atendido.
É o que acontece com as eparquias orientais em territórios de diferentes ritos, cujos fiéis requerem atenção especial devido à tradição a que pertencem (antioquena, alexandrina, caldeia, etc.). Nesses casos, o que importa é mais a pessoa do que o critério territorial.
A prelazia pessoal é uma figura cuja cabeça é um prelado, em torno da qual existem sacerdotes, cuja missão é servir os fiéis que requerem atenção especial, por exemplo, por causa de suas condições particulares de vida, de seu trabalho, de sua vocação, etc. Ou seja, a prelazia pessoal não se entende se não for com um grupo de fiéis aos quais atendem espiritualmente porque, afinal, essa é a missão da Igreja.
Foi assim que São Josemaria Escrivá de Balaguer, fundador do Opus Dei, entendeu que esta figura, a prelatura pessoal, era a forma adequada à realidade da Obra, instituição cujo carisma consiste no fato de que seus membros -na maioria leigos, os restantes sacerdotes – procuram a santidade através do cumprimento dos deveres ordinários, como o estudo ou o trabalho, ali no meio do mundo, como fiéis ordinários, da mesma forma que os primeiros cristãos procuravam ser santos.
Era oportuna para o Opus Dei uma figura jurídica que protegesse aquele carisma, aquela missão e aquela fisionomia peculiar, onde deveriam entrar homens e mulheres, simplesmente batizados que não são religiosos (consagrados) nem se assemelham a eles, pois são fiéis comuns: advogados, trabalhadores, taxistas, empresários, universitários, professores, empregados domésticos, etc. E esta é precisamente a segunda característica a resguardar, o facto de serem fiéis comuns, fiéis leigos que, como assinala o Concílio Vaticano II, “corresponde, por vocação própria, a tentar obter o Reino de Deus administrando os assuntos temporais e ordenando-os de acordo com Deus. Eles vivem no século, isto é, em cada um dos deveres e ocupações do mundo, e nas condições ordinárias da vida familiar e social, com a qual se entrelaça a sua existência” (Lumen gentium, n. 31). São pessoas que estão no meio do mundo e em todo o mundo.
Sendo o Opus Dei divinamente inspirado e para o bem de tantas almas, era justo dar-lhe uma forma jurídica de acordo com a sua natureza. Para isso, o fundador apelou à autoridade da Igreja.
São Paulo VI indicou a São Josemaria a conveniência de esperar a celebração do Vaticano II; e também as circunstâncias posteriores aconselharam a esperar um pouco. Finalmente, 17 anos depois, São João Paulo II concedeu ao Opus Dei a figura de prelatura pessoal, mas não antes de fazer um estudo detalhado sobre a conveniência de fazê-lo, diríamos também sobre a justiça de atender a este pedido (para isso um estudo foi detalhado ao nível das congregações da Cúria Romana diretamente envolvidas, passando por uma comissão conjunta, composta por especialistas da Santa Sé e do Opus Dei para poder responder a todas as questões que possam surgir, até chegar à assinatura do Papa). De acordo com o carisma, a missão e a fisionomia espiritual do Opus Dei, a prelazia pessoal apresentou-se efetivamente como a figura apropriada.
Do que foi dito até agora podemos colocar uma nova questão: se a prelazia pessoal não é um privilégio concedido ao Opus Dei, por que é a única prelazia pessoal até agora?
A resposta final só pode ser dada por Deus. No entanto, algumas coisas que podemos dizer. Em primeiro lugar, a prelazia pessoal é uma figura aberta, que pode servir também para outras realidades que a requeiram; com efeito, está regulamentado de forma genérica nos cânones 294 a 297 do Código de Direito Canónico, que também prevêem que os estatutos de cada um deles se resumam a pormenores específicos. Portanto, não foi concebido apenas para o Opus Dei, nem se limita a ele.
Deve-se lembrar também que na Igreja os anos são contados por séculos, ou seja, as prelaturas pessoais são novas na Igreja, e além disso (esta é a segunda ideia) esta figura tem características próprias que não podem ser aplicadas a todas as realidades eclesiásticas sem um estudo calmo sobre a conveniência.
O Opus Dei é para os privilegiados?
Do ponto anterior, talvez se possa interpretar erroneamente que a prelazia pessoal do Opus Dei seria para poucos privilegiados, pois é destinada a pessoas que requerem atenção especial, uma obra peculiar. Instintivamente, o “peculiar” pode nos fazer pensar em exclusividade ou privilégio, que se refere à isenção de uma obrigação ou vantagem exclusiva de uma pessoa, concedida por um superior.
Quem pode pertencer ao Opus Dei? Dos estatutos do Opus Dei (Statuta), a primeira condição é que, para pertencer a esta prelazia pessoal, seja necessária uma vocação divina (cf. Statuta, 18).
Não é propriamente um privilégio, mas sim um elemento que nos permite diferenciar quem pode fazer parte desta instituição, que é uma obra peculiar precisamente pelo seu carisma e missão − contribuir de forma específica para o anúncio da vocação universal à santidade – e aquele chamado divino que seus membros têm.
Portanto, pessoas de todas as camadas sociais, das mais variadas condições, raças, profissões, etc., que receberam de Deus uma vocação específica para buscar a santidade no meio do mundo, em sua ocupação, podem e devem pertencer ao Opus Dei. Trabalho ordinário que, de modo concreto, exige uma atenção pastoral peculiar.
Os dados oficiais que encontramos no Anuário Pontifício para 2022 nos dizem que 93.510 fiéis católicos pertencem a esta prelazia. Não é um número pequeno para uma instituição que ainda não completou um século de existência.
Da mesma forma, isso não significa que as pessoas sem essa vocação para o Opus Dei não possam se beneficiar dos bens espirituais da prelazia. É que, como disse seu fundador, a Obra é uma grande catequese, ou seja, a instituição e seus membros se dedicam a dar formação cristã por diversos meios.
Logicamente, esta formação é dirigida a todas as pessoas, onde não faria sentido respeitar pessoas ou grupos fechados, pois a missão consiste em difundir a chamada universal à santidade e ao apostolado, universal, não particular, não fechado. Dirigir aquela mensagem ou aquele chamado a um grupo privilegiado seria totalmente contrário ao seu carisma e à sua missão (cf. Statuta, 115).
Temos falado repetidamente de uma missão, de um carisma e de uma vocação. Já que apresentamos a missão acima, vejamos em que consiste essa vocação e carisma.
A vocação é um chamado divino, para isso é necessário um processo de discernimento, algo que o Papa Francisco dá grande ênfase em suas intervenções públicas e em sua catequese.
Esta vocação está ligada a um carisma e apresenta alguns traços do espírito do Opus Dei, que não residem nos traços sociais, econômicos, físicos, culturais etc., mas sim em uma série de traços sobrenaturais como a filiação divina, a santificação do trabalho, o espírito laical, a Santa Missa como centro e raiz da vida interior, entre outros.
O Opus Dei é uma Igreja dentro da Igreja?
Certa ocasião, uma pessoa comentou com um membro do Opus Dei que os membros da Obra se caracterizam por ser contra o aborto. Ora, o aborto não é algo que o Opus Dei se oponha como próprio, mas porque faz parte dos ensinamentos da Igreja Católica, como consta do Catecismo . Esta anedota descreve muito bem a ideia equivocada que podemos encontrar em alguns ao julgar o Opus Deis como um grupo à parte da Igreja. Ao fazer isso entendem que a concessão da prelazia pessoal por São João Paulo II é como um privilégio e que este a faria uma espécie de Igreja dentro da Igreja.
No entanto, isso não é algo que possa ser admissível na estrutura da Igreja, que tem como autoridade suprema o Romano Pontífice e o Colégio Apostólico presidido pelo Papa (cf. cânones 330-341 do Código de Direito Canônico).
Assim, o Papa exerce seu poder universalmente, sendo o Bispo de Roma. Por sua vez, os bispos exercem seu poder dentro dos limites de sua diocese e no âmbito do colégio episcopal. Seja o Papa ou os bispos, todos exercem esse poder de acordo com a missão recebida de Jesus Cristo, nessa tríplice função: ensinar, santificar e governar.
Neste sentido se percebe que S. João Paulo II não poderia ter concedido um privilégio ao Opus Dei, através da prelazia pessoal, que estivesse em contradição com tal estrutura da Igreja.
De fato, a norma que cria as prelaturas pessoais indica claramente que essa figura deve ser dada “sempre salvaguardando os direitos dos ordinários locais” (Presbyterorum ordinis, n, 10). Ou seja, em sua configuração inicial, a prelazia pessoal é projetada para que conviva pacificamente com o poder dos bispos onde quer que trabalhem e o poder do prelado refere-se apenas aos fins da prelazia.
Isto não é algo que obedece apenas a uma relação de justiça, mas é também uma consequência lógica do fato de os fiéis do Opus Dei serem pessoas comuns, que devem procurar a santidade onde quer que estejam, precisamente nas dioceses onde vivem, tendo em conta −por exemplo– que ninguém é batizado na prelazia, mas em uma paróquia que faz parte da diocese, aquela porção do povo de Deus.
Em outras palavras, sendo os fiéis do Opus Dei pessoas comuns, não é conveniente que estejam isentos do poder do bispo (note-se que os fiéis do Opus Dei pertencem em primeiro lugar à diocese em que vivem), que eles formam um grupo separado na diocese ou na paróquia, mas animam o ambiente cristão em que se movem.
Ao mesmo tempo, essas pessoas, pela vocação específica que têm, requerem atenção própria, segundo seu carisma, mas, sobretudo, cada um desses fiéis deve santificar seu ofício, trabalho ou tarefa onde quer que esteja, segundo esse espírito do Opus Dei.
Na prática, segundo as normas do Direito Eclesiástico e a configuração jurídica da Obra, pode o Opus Dei constituir-se em Igreja paralela? Para explicá-lo, devemos falar da pessoa que dirige a prelatura pessoal, o prelado.
A prelazia pessoal recebe o nome precisamente do prelado, que foi encarregado desta instituição para orientá-la na sua missão, para a qual está investida de uma série de capacidades com vista a atingir esse fim, uma finalidade estritamente sobrenatural. No entanto, essas capacidades estão bem definidas, pois já estão limitadas pelo poder exercido pelo Papa em cada Igreja e pelos bispos em suas respectivas dioceses.
Portanto, as capacidades do prelado são limitadas ou circunscritas à missão da prelazia e não são suficientes para dizer que estamos diante de uma Igreja paralela. Assim, o prelado pode pedir aos seus membros um cuidado especial na participação na Santa Missa, como centro e raiz da vida interior, para se identificarem mais com Cristo.
Por outro lado, não poderá impor aos membros da prelazia que mudem de emprego, nem o Papa ou os bispos, porque não é responsabilidade deles, muito menos pedir-lhes que desobedeçam às normas ditadas pelo Romano Pontífice. ou pelos bispos em comunhão com o Papa.
O motu proprio Ad carisma tuendum não é uma norma que privou o Opus Dei de qualquer privilégio que tivesse. Esta instituição da Igreja continua a ser uma prelatura pessoal segundo a norma dada por João Paulo II, a constituição apostólica Ut sit, bem como os seus Estatutos aprovados pela Santa Sé.
Além disso, este motu proprio destaca de maneira especial o carisma recebido por São Josemaria e a importância desta obra de Deus na missão evangelizadora da Igreja, e assim diz o Papa Francisco: “Para proteger o carisma, meu predecessor São João Paulo II, na Constituição Apostólica Ut sit, de 28 de novembro de 1982, erigiu a Prelazia do Opus Dei, confiando-lhe a tarefa pastoral de contribuir de modo peculiar para a missão evangelizadora da Igreja”.
De acordo com o dom do Espírito recebido por São Josemaria Escrivá de Balaguer, de fato, a Prelazia do Opus Dei, sob a orientação de seu Prelado, realiza a tarefa de difundir no mundo o chamado à santidade, mediante a obra de santificação e compromissos familiares e sociais” (introdução).
Para isso, se enfatiza a importância dos clérigos (sacerdotes) incardinados naquela prelazia com a colaboração orgânica dos fiéis leigos. Esta é de vital importância, porque uns e outros, clérigos e leigos, são chamados a desempenhar diferentes funções segundo o seu próprio estatuto na Igreja, por isso os fiéis leigos reclamam o ministério do sacerdote, e o sacerdócio existe precisamente para servir os fiéis da prelazia, bem como todas as pessoas que se aproximam de seus apostolados.
Um e outro reivindicam-se mutuamente, sob a unidade de um prelado que os guia segundo o mesmo carisma e a mesma vocação, dentro do mesmo barco da Igreja”.
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Fonte:
https://www.almudi.org/noticias-articulos-y-opinion/16558-algunas-preguntas-habituales-sobre-el-opus-dei – novembro de 2022
Na mesma linha é interessante consultar outro artigo publicado por Almudi em dezembro sobre as Prelazias Pessoais:
https://www.almudi.org/articulos/16615-prelaturas-personales