Um pouco de minha infância
Há uma passagem dos Atos dos Apóstolos que me marcou muito. É aquela que diz que Cristo “passou por essa vida fazendo o bem”.(Atos, 10:38) Não é encantador? Há algo de mais maravilhoso do que passar pela vida doando-se aos outros? E tal vida já não é um preâmbulo do Céu? Não é o cêntuplo nesta terra?
Ligado a isso encontrei na doutrina católica alguns outros pontos que também me marcaram. Aprendi que todo homem tem graça suficiente para fazer o bem.
Mesmo um pagão? Um homem que nunca teve contato com o cristianismo?
Sim, mesmo ele. Por uma razão muito simples. Se ele não teve contato com a revelação, não conhece os preceitos morais divinamente revelados; tem, contudo, em sua alma uma outra lei. A lei natural. Por meio dela ele tem ajuda para agir retamente. De uma maneira misteriosa Deus o acompanha.
Por isso mesmo, em todos os povos, sempre existiu a ideia do bem e do mal. Sempre tivemos pessoas que, de um modo ou de outro, tiveram uma vida de virtude. Sem o saber foram ajudados pela graça e souberam dizer sim. Sem o saber também, dizem os teólogos, os que foram salvos, o foram graças à Redenção de Cristo.
Aqui o que importa, o que quero ressaltar, é como isso acontece. Peço-lhes licença para lhes contar algumas coisas de minha vida.
Nasci em uma família católica. Como dizemos: católica não praticante. Em Alagoas, onde meus pais nasceram o que existia era o chamado catolicismo popular. Aprenderam algumas orações no seio na família bem como certas ideias do que seria bom ou mau conforme a moral da Igreja. Nem creio que houvesse sacerdotes ou missas onde moravam. Era uma vida rural simples, em Mata Grande, próximo a Palmeira dos Índios. Ainda jovens vieram para São Paulo, procurando uma vida melhor, mesmo com suas famílias tendo propriedades. Aqui mantiveram suas tradições, entre elas a presença constante em casamentos e batizados e o belo hábito de dar acolhida para parentes doentes. Foi o que recebi.
Outro dia me perguntei: o que meus pais me ensinaram mais concretamente sobre a vida moral? Ser respeitoso? Pedir bênçãos a padrinhos, tios, avós? Ser honesto? Não lembro direito. Aos 7 anos colocaram-me na escola, mas não me lembro deles dizendo-me que devia estudar. Só ouvi algo disso talvez após os 10 anos.
Perguntei-me também quais as coisas que fiz que considerei erradas. Acho que algumas coisas por volta de 6 ou 7 anos. Depois uma ou outra coisa na linha de malandragens. Finalmente começaram a surgir coisas relativas à adolescência. Voltei a forçar a memória: por que sentia que havia algo errado? Quem me contou algo ou tentou me ensinar? Ou o contrário, quem me advertiu sobre o que seria errado neste campo? De novo, nada. Cheguei à conclusão que neste ponto que algumas coisas vieram de fora, de maus exemplo, outras, aqui esá o ponto, vieram de mim mesmo. Mais tarde, depois dos 17 anos, já tendo me decidido a viver a fé católica, aprendi que existe a tríplice concupiscência: a da carne, a do mundo e a do demônio. No meu caso, repito, o que me toca mais foram os pontos maus que havia em mim.
Aproveito para tratar de um outro ponto. Tão logo comecei a ter uma vida católica passei a ler vidas de santos e de piedade. Não me recordo qual foi o primeiro. Li a Paixão de Cristo, de Anna Catarina Emmerich. Depois me entusiasmei com o exemplo dos primeiros cristãos narrado por Tito Casini em “Perseguidores e Mártires. Também li “História de uma Alma”, e “Conselhos e Lembranças”, de Santa Teresinha. Em um destes encontrei uma passagem que me marcou muito na linha do que aqui escrevo: o mal em nós. Conta a santa que certa vez, com três anos de idade, estava no colo de seu pai e carregava dois doces. Um deles caiu…. Rapidamente ela exclamou: -“Papai, papai, o doce da Celina caiu”… E ela aproveita para comentar: era tão pequena e ali já estava o egoísmo humano. Por que caíra o doce de minha irmã, e não o meu?
Acho que já aí procurei entender meu passado e minha alma. Passo a contar momentos de minha infância em que encontrei egoísmo em mim. Coisas simples, mas significativas.
EGOÍSMO E ARREPENDIMENTO
Eu era um menino feliz. “Adormecia sorrindo e despertava a cantar”. Em casa, na escola, com os amigos de rua. Pela manhã escola. Era bom aluno. À tarde bola e brincadeira. Verdade que lá pelos 9 ou 10, o romantismo começou a aflorar e me senti atraído por uma menina chamada Sonia, que morava ao lado de minha casa. Puro platonismo. Contudo, lembro-me de me imaginar morrendo. Queria saber se ela sentiria alguma coisa. E chorava…
Desculpem a digressão: voltemos à questão do egoísmo.
Até os 12 anos fui filho único. Vida comum, normal. Nada me faltava. Sempre ganhava bola e boas roupas. Lembro até do cheiro de algumas delas. Aos 10, como prêmio pela conclusão do primário, ganhei uma bicicleta.
Minha mãe trabalhava apenas em casa. Com frequência pedia-me ajuda. Lá ia eu, lavar louça ou passar o esfregão no assoalho. Alegre, sem problemas ou resmungos. Também aprendi a cozinhar o básico. Uma vez por semana, quando ela voltava da feira, uma parte do almoço estava pronta.
À tarde eu brincava na minha rua ou em um campinho próximo. “Pés descalços, braços nus”.
E o egoísmo?
Chegamos nele. Minha mãe, em certas ocasiões, tinha cólicas ou dores de cabeça. Algo que é comum nas mães. O que sei é que ela aparecia no portão de casa e me pedia para ficar um pouco com ela, ou fazer algo na casa. Mas… eu estava brincando. Dizia: “Tá bom, já vou”. E não ia. Entre o dever e o lazer escolhia o último. A consciência incomodava. Pouco, é verdade, mas incomodava.
Incomodou mais em outra ocasião.
Tinha um primo com mais ou menos 30 anos que visitava minha casa com certa frequência. Ficou doente. Teve que ser hospitalizado. Era grave. Tinha câncer. – Minha mãe ia visitá-lo toda semana. Sempre me perguntava:
-“ Valter, vou visitar seu primo, não quer ir comigo? Ele sempre pergunta por você, gosta muito de você, vamos?” O egoísmo falava mais algo. A resposta era sempre a mesma:
“A semana que vem eu vou”.
Ele faleceu. Nunca fui vê-lo. Doeu. Ainda hoje dói muito.
Sei que tinha 11 anos. Talvez não entendesse muito do que estava ocorrendo. Contudo, quando lembro, me pergunto: – por que não esqueço? Não tinha nenhuma consciência propriamente religiosa. Mas sabia então, e hoje mais ainda, que estava agindo mal.
No fundo, não era uma graça? Penso que sim.
Não soube ser generoso. Não quis.
Depois disso, como é muito comum acontecer, fui me deparando com outras experiências negativas. Aparentemente não me mudaram muito. Só aparência. Como diz minha esposa, Sonia, a vida é como uma escada rolante que desce e temos que subir por ela. Parar é descer. Hoje vejo como estava caindo, como caía. Lamento cada erro, cada queda. Porém, apesar de tudo continuava feliz, de bem com a vida.
Aos 12 a família cresceu. Nasceu meu irmão Valmir. Tudo tranquilo. Nada de ciúmes ou qualquer bobagem semelhante. A família ficou mais alegre.
Neste mesmo ano mudei de bairro. Mal sabia eu que, graças a isso, cinco anos depois, minha vida mudaria profundamente.
Ficou excelente e, “de brinde”, ficou com um ótimo gancho para a continuação! Já aguardando os próximos capítulos!
Caro Rafael. Grato pela gentileza. A continuação fica para junho.
Excelentes considerações para refletirmos os pensamentos e ações da infância!