Continuamos hoje a série sobre as correntes ideológicas na Igreja.
Minha intenção inicial era fazer uma exposição sobre o progressismo levando em conta novos aspectos dessa corrente encontrados em artigos e livros mais atuais. Não foi possível. Uma série de imprevistos impediram-me de reler o material arquivado e fazer outras leituras também necessárias.
Para não deixar de dar pelo menos uma ideia sobre o tema decidi transcrever uma análise do jesuíta Pierre Bigo (1) que descreve o pensamento progressista já nos anos 50 e 60. Na verdade, o autor, ao analisar a relação entre a fé e as relações sociais afirma que há múltiplos erros e confusões sobre o tema. Diz que ao procurar delimitar as zonas religiosas das zonas profanas temos, basicamente, dois tipos de erros: Primeiro o daqueles que têm a tendência de ampliar as primeiras até o ponto de eliminar toda consistência e justa autonomia às últimas. É o erro do clericalismo que tende ao “espiritual puro”. Bigo coloca neste campo as doutrinas integristas. Outros, ao contrário, reivindicam a máxima autonomia do mundo “profano”, de modo até, às vezes, absorver os valores religiosos: são as doutrinas do laicismo e do progressismo.
Todas essas doutrinas ou correntes têm uma falsa visão da fé, do homem, das relações sociais.
Vejamos agora seu resumo sobre a corrente progressista. O texto é um tanto árido, mas importante para entendermos os desdobramentos de seus erros.
“O progressismo, em muitos pontos, aproxima-se do laicismo. Como ele, dá ao mundo, frente ao cristianismo, um valor próprio e uma autonomia muito grande. Mas é muito mais radical nesta posição. O laicismo raramente chega a negar toda a existência própria à religião: mantém-se como doutrina de dissociação. O progressismo absorve de tal forma a religião no mundo profano, que, por assim dizer, não tem mais existência própria: é uma doutrina de confusão.
O progressismo poderia ser apenas uma doutrina política: na realidade, é, como o integrismo, uma doutrina político-religiosa. Nasce, geralmente, do encontro de homens cristãos ou dos que desvirtuaram o cristianismo, com o marxismo.
Sua característica essencial é a de ligar a empresa revolucionária, que é para ele de tipo comunista, à obra da redenção (2). Em última análise é uma substituição da fé. A fé que espera a salvação do mundo de um acontecimento religioso: a ressurreição de Cristo, está estreitamente unida, na consciência progressista, a uma fé política e marxista que espera essa salvação de um acontecimento profano: o advento do socialismo, e foi às vezes parcialmente suplantado por esta fé política. (3) A substituição, no entanto, não foi completa: se o fora, os progressistas se transformariam pura e simplesmente em marxistas. Tende, porém, a ser total, porque é difícil viver essa ruptura que representa forçosamente a coexistência na mesma consciência de duas realidades.
Esse vínculo entre a revolução e a redenção é a característica do progressismo. Explica as estranhas aberrações progressistas. Segundo (tal corrente), a revolução é o preâmbulo necessário da redenção. A comunidade eucarística não será mais possível, afirmava-se, enquanto a estrutura da sociedade não tiver sido radicalmente transformada segundo o esquema marxista. Os padres devem, portanto, “colocar seu sacerdócio em recesso” e dedicar-se à revolução. A Igreja, em seu conjunto, não pode ainda reconhecer ser esta a sua missão verdadeira. (3) Com efeito, ela é, por assim dizer, escrava do capitalismo burguês e será necessário, “reconstruí-la sobre novas estruturas políticas”. (Enquanto) espera, é preciso constituir um grupo clandestino de luta, “maquis” que a própria igreja oficial não pode reconhecer mas que a salvará, como o “maquis”, que a Igreja oficial não pode reconhecer mas que a salvará, como o “maquis” combatido por Vichy, salvou a França (4) .
Assim o reencontro de Deus com o mundo, especialmente com o mundo operário, deve originar-se de um movimento político. A Igreja recebe o melhor de sua vida de uma espécie de simbiose com as forças vivas da humanidade, que são as forças operárias e marxistas. Nada está mais longe do progressismo que a ideia de um neutralismo: vê nele uma forma de evasão. Se é preciso libertar a Igreja do “socialismo burguês” que a sufoca, será para liga-la ao “sociológico operário” que a libertará. (5). Parece-me que aqui pode ter havido um erro de tradução ou de edição. O mais lógico seria dizer que a Igreja precisa se libertar do capitalismo burguês para aceitar o socialismo operário.
A Igreja deve, portanto, apagar-se, renunciar a toda ação sobre a sociedade, deixar a humanidade realizar a sua revolução segundo sua filosofia imanente, o marxismo, e só então se poderá concretizar este “puro encontro com Deus, que é a fé. “A Igreja, até aqui, pôde aceitar de se instalar no infra-humano com o propósito de levar seus filhos até uma humanidade mais alta. Para o futuro, os homens a atingirão por si mesmos, e só se interessarão pela Igreja no momento em que tiverem conquistado o humano… A classe operária tornar-se-á novamente cristã – é nossa firme esperança – mas isso só acontecerá depois que ela tiver, por seus próprios meios, guiada pela filosofia imanente que ela traz em si, conquistado a humanidade (Maurice Montuclard, Os acontecimentos e a fé, pág. 57).
(…)
Tais divagações confundem. Medem a distância que os homens, pouco a pouco, colocam entre o cristianismo e eles, quando decidem andar sozinhos, sem nada mais para escutar (…)”.
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O texto de Bigo, como se vê, é estritamente doutrinário, mas não destaca as aberrações teológicas (expressão do autor) desta corrente. Ademais, como a obra é de 1969, não teria como saber todos os seus nefastos desdobramentos.
Dentro em breve, com mais tempo para selecionar textos, nos vários campos da teologia, espero dar aos amigos exemplos concretos do pensamento progressista nos tempos atuais.
Desde já adianto que há muita coisa estarrecedora. Pior: não só é abundante em um enorme número de obras “católicas” como também penetrou profundamente no pensamento e ações de grande parte do episcopado.
Conto com a paciência de todos.
Notas:
1, BIGO, Pierre. A Doutrina Social da Igreja. Loyola, São Paulo, 1969, p. 73-75.
2. O destaque é do site claravalcister.com
3. A fé política é clara na Teologia da Libertação. Está ligada ao combate ao capitalismo e à implantação de uma sociedade igualitária a que chamam “reino de Deus ou do povo de Deus”. Em breve publicaremos partes de um texto –escrito por progressistas – que explica como foi feito tal projeto no Brasil a partir dos anos 70 do século passado.
3. Destaque em negrito é do site claravalcister.com
4. Na França, durante a Segunda Guerra, maquis era o nome dado aos membros da resistência clandestina contra os invasores nazistas.
5. Parece-me que aqui pode ter havido um erro de tradução ou de edição. O mais lógico seria dizer que a Igreja precisa se libertar do capitalismo burguês para aceitar o socialismo operário.