Um primeiro elemento é o caráter incondicional com que a dignidade humana e os direitos humanos devem apresentar-se, como valores que precedem toda a jurisdição estatal. Estes direitos fundamentais não são criados pelo legislador nem são concedidos aos cidadãos, “mas existem por direito próprio e sempre devem ser respeitados pelo legislador, a quem são entregues como valores de ordem superior” [Anteprojeto para a Constituição Europeia 2004]. Esta validade da dignidade humana prévia a qualquer atuação ou decisão política remete-nos ao Criador: só Ele pode estabelecer valores que se fundam na essência do homem e que são intangíveis. Que existam valores não manipuláveis por ninguém é a garantia verdadeira e própria da nossa liberdade e da grandeza humana; a fé cristã vê nisto o mistério do Criador e da condição de imagem de Deus que Ele conferiu ao homem.
Ora bem, hoje em dia quase ninguém negará diretamente a preeminência da dignidade humana e dos direitos humanos fundamentais em face de toda a decisão política; são ainda demasiado recentes os horrores do nazismo e da sua teoria racista. Mas no âmbito concreto do assim chamado progresso da Medicina, há ameaças muito reais para estes valores: quer pensemos na clonagem, ou na conservação de fetos humanos para a pesquisa e na doação de órgãos, ou ainda em todo o âmbito da manipulação genética, a lenta erosão da dignidade humana que nos ameaça aqui não pode ser desconhecida por ninguém. Acrescentam-se a isso, de maneira crescente, o tráfico de pessoas humanas, as novas formas de escravidão, o comércio de órgãos humanos para transplantes. Sempre se aduzem finalidades boas para justificar o injustificável.
(Cardeal Joseph Ratzinger in ‘Fundamentos espirituales de Europa’) – Extraído de Spedeus.blogspot.com de 17 de julho de 2020.