Entrevista ao LifeSiteNews. (1)
Na manhã de quinta-feira, 15, o site LifeSiteNews teve a oportunidade de conversar com o Cardeal Raymond Burke, em Roma, após uma conferência de imprensa organizada pelo grupo Voice of the Family de que ele participara. O LifeSiteNews conversou com o Cardeal a respeito do Sínodo sobre a Família, atualmente em curso, e, particularmente, sobre uma proposta polêmica, apresentada por um participante em uma recente conferência de imprensa no Vaticano, que pretende permitir que os bispos locais tomem decisões sobre a maneira de lidar com questões como o homossexualismo e o divórcio.
O Cardeal Burke também criticou a chamada “Proposta Kasper”, dizendo que ela se baseia em uma ideia falsa “de que de alguma forma existe um conflito entre doutrina e prática pastoral.”
A seguir apresentamos a transcrição dessa entrevista:
LSN: O que o senhor acha da ideia de “diversidade regional” na Igreja? Será que os bispos locais devem ter a autoridade em nível pastoral para lidar com questões que dizem respeito à “aceitação social da homossexualidade” e com “pessoas divorciadas e recasadas”?
Burke: Essa proposta é simplesmente contrária à Fé Católica e à vida. A Igreja segue a doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo, uma vez que, primeiramente, ela nos foi ensinada por Deus na criação — o que chamamos de lei natural, aquilo que todo coração humano compreende, porque foi criado por Deus — porém, mais tarde, essa doutrina também foi explicada e iluminada pelo ensinamento de Cristo e na tradição da Igreja.
E essa Igreja é una em todo o mundo. Não há mudança nessas verdades de um lugar para o outro ou de uma época para outra. Certamente, o ensinamento dessas verdades leva em consideração as necessidades particulares em cada área. Mas isso não muda a doutrina. Às vezes, a doutrina tem que ser ainda mais forte em lugares onde ela está mais comprometida.
Portanto, essa proposta é inaceitável. Não sei de onde vem essa ideia. O que ela realmente significa é que a Igreja não é mais católica [universal]. Isso significa que ela não é mais una em sua doutrina para o mundo todo. Temos uma fé. Temos um conjunto de sacramentos. Temos um governo para todo o mundo. É isso que significa ser “católico”.
Eu também gostaria de comentar sobre essa ideia do que é “pastoral”.
Grande parte da discussão ocorrida, começando pela infame apresentação do Cardeal Walter Kasper no Consistório Extraordinário, em 20 e 21 de fevereiro de 2014, girou em torno dessa ideia de que de alguma maneira existe um conflito entre doutrina e prática pastoral.
Isso é um absurdo. A prática pastoral existe para nos auxiliar a viver as verdades da fé, para vivermos a doutrina da fé em nossas vidas. Não existe conflito [entre esses dois aspectos]. Você não pode dizer que a Igreja ensina, por exemplo, que o matrimônio é indissolúvel e, depois, alguém ao mesmo tempo dizer que, por razões “pastorais”, uma pessoa que esteja vivendo em união irregular está apta a receber os sacramentos, o que significaria que o matrimônio não é indissolúvel. Essas são simplesmente distinções falsas — contrastes falsos — que efetivamente precisamos esclarecer, porque isso está causando uma confusão imensa entre os fiéis e, é claro, no final das contas, pode induzir as pessoas a um erro grave, com grande dano para as suas vidas espirituais e sua salvação eterna.
LSN: O que os fiéis devem pensar e fazer ao verem que os Padres Sinodais estão sugerindo posições heterodoxas em relação à homossexualidade e ao divórcio?
Burke: Seguir Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele é o nosso Mestre. E todos nós temos o dever de obedecê-Lo e obedecer a Sua palavra, a começar pelo Santo Padre e seus Bispos. Se um bispo, um padre ou qualquer pessoa anunciar alguma coisa ou declarar alguma coisa contrária à verdade de Nosso Senhor Jesus Cristo, conforme ela nos foi comunicada pela Igreja, seguimos a Cristo.
Digo às pessoas que estão muito ansiosas – porque nessa hora parece que, simplesmente, existe muita confusão e declarações realmente muito assombrosas sobre a fé – que devemos permanecer serenos, porque na Igreja Católica temos a autoridade doutrinal, que é expressa, por exemplo, no Catecismo da Igreja Católica, e precisamos simplesmente estudar essas coisas mais profundamente, aderir a elas de maneira mais ardente e não sermos desviados por falsas doutrinas, seja lá de onde venham.
LSN: Algumas pessoas insinuam que existe pouquíssimo dissenso no Sínodo e que a mídia é culpada de inventar conflito onde não existe. O que o senhor pensa a esse respeito?
Burke: Primeiramente, tenho que explicar minha observação, dizendo que não faço parte do Sínodo. Não estou envolvido de modo algum com o Sínodo. Tenho lido, não apenas o que tem sido divulgado nos meios de comunicação, mas também os informes oficiais do Vaticano. Tenho conversado com um ou outro Padre Sinodal. Pelo contrário, entendo que há dissensos muito fortes dentro do Sínodo. Devido à discussão que precedeu o Sínodo — e também, devido ao Instrumentum Laboris [documento de trabalho do Sínodo] com as dificuldades gravíssimas daquele documento — eu acharia difícil acreditar que não existe discordância. De outro modo, não vamos chegar à verdade dos fatos. Não vamos salvaguardar e promover a Fé Católica da maneira que precisamos fazer. Apenas tenho a impressão que, de fato, existe dissenso.
NOTAS
1. O cardeal Burke participou do Sínodo em 2014 quando criticou fortemente a proposta do cardeal Kasper de maior abertura para casais em segunda união e homossexuais. Tradicionalistas e setores conservadores lamentaram que ele tenha sido excluído do Sínodo de 2015. De qualquer modo ele continuou a fazer as críticas que achou devidas como as que publicamos acima. Após o Sínodo ele manteve suas críticas e afirmou que o relatório final é enganoso e que falta “clareza” sobre a indissolubilidade do matrimônio. Caso queira ver suas declarações do dia 26 de outubro ao National Catholic Register clique aqui: https://www.lifesitenews.com/news/synods-final-report-misleading-lacks-clarity-on-indissolubility-of-marriage
2. Pouco tempo após o Sínodo de 2014 o cardeal foi afastado pelo Papa Francisco do cargo de Prefeito do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica no Vaticano (2008-2014) e designado para o cargo de patrono da Ordem Soberana e Militar de Malta. O motivo – conforme algumas conjecturas – teria sido exatamente sua oposição a pontos de abertura desejados pelo Papa. Recentemente, no dia 26 de setembro último, foi nomeado membro da Congregação para a Causa dos Santos.