CONSIDERAÇÕES SOBRE A DIGNITAS INFINITA 5

A opinião dos conservadores católicos

Valter de Oliveira

Quando comecei a escrever sobre a Dignitas Infinita (1) disse ao amigo leitor que, no final da série, colocaria o que conservadores, tradicionalistas e progressistas escreveram sobre o importante documento. Mais do que hora de cumprir o prometido.

Começo por lembrar que já expliquei aqui no site as diferenças entre essas correntes de pensamento (2). Considerei que coloco entre os conservadores católicos aqueles que mantém a doutrina católica de sempre e que interpretam em uma visão de continuidade o ensinamento do Vaticano II. Não são católicos que negam a crise da Igreja, pelo contrário, lutam para que ela seja superada. Denunciam os erros doutrinariamente, mas não são, habitualmente, partidários de se criticar publicamente fautores de erro na hierarquia. Menos ainda documentos do Vaticano.  Acreditam que a luta tem que ser interna, pelo bem da Igreja. Têm suas razões para isso.

OMNESMAG E ALMUDI

Dentro dessa linha cito 2 sites muito sérios e importantes: Omnesmag.com e Almudi.org. Ambos publicaram o mesmo artigo sobre o documento do Vaticano.  Chama-se “3 Pontos para entender Dignitas Infinita”  e que apresenta a seguinte introdução: “Neste artigo, o sacerdote e teólogo Ricardo Bazán analisa o tão esperado documento sobre a dignidade humana que o Dicastério para a Doutrina da Fé publicou esta semana com temas como o aborto, a ideologia de gênero ou a “barriga de aluguel entre outros”.

Observe-se que os pontos citados são caros aos conservadores, o que não implica que não se dê importância aos problemas sociais levantados pelo documento e que são amplamente comentados e elogiados.   

Mais à frente o artigo  destaca a importância da D.I: “Este é um documento muito aguardado devido ao assunto que aborda.(…), foram necessários cinco anos para chegar ao produto final, algo que vale a pena destacar. (É um produto)  maduro e nada improvisado, (…) passou por vários rascunhos e sob a supervisão de muitos especialistas daquele Dicastério”. 

(…)

“Este aspecto é ainda mais reflexivo nestes tempos em que a dignidade e tantas questões morais dependem de critérios totalmente arbitrários. É por isso que este documento é importante, não porque seja necessariamente inovador em termos da teoria da dignidade humana, mas porque ousa ir contra a corrente, fiel à missão que a Igreja tem e que São João Paulo II apontou em “O esplendor da Verdade” como diaconia da verdade”.

(…) Antes da publicação da tão esperada declaração, questionava-se se esta abordaria a ideologia de gênero, uma vez que o Papa Francisco tinha declarado recentemente que “o perigo mais feio é a ideologia de gênero, que anula as diferenças” (Audiência do Papa Francisco com os participantes na conferência “Homem-Mulher Imagem de Deus. Por uma antropologia das vocações”). Na verdade, o texto aponta a teoria de gênero como uma das graves violações, pois procura negar a maior diferença possível entre os seres vivos: a diferença sexual. Esta diferença constitutiva não é apenas a maior que se possa imaginar, mas também a mais bela e a mais poderosa: alcança, no casal homem-mulher, a mais admirável reciprocidade e é, portanto, a fonte daquele milagre que nunca deixa de nos surpreender. que é a chegada de novos seres humanos ao mundo”  (Dignitas infinita, n. 58).

O teólogo conclui dizendo:

“A Dignitas Infinita  é uma contribuição da Igreja para aquela luta que, como sublinha o Papa Francisco, nunca termina e nunca deve terminar (cf. Dignitas Infinite, n. 63) quando se trata dos direitos humanos e da dignidade humana, ao mesmo tempo que nos alerta para a tentação de retirar a dignidade humana como fundamento dos direitos humanos, para que estes sejam deixados aos caprichos das ideologias e aos interesses dos mais fortes”. 

“A clareza do documento é apreciada na medida em que se refere às bases da dignidade humana, bem como às graves violações que podem ocorrer e que, infelizmente, sempre ocorrerão, pelo que não é possível fazer uma lista exaustiva de todas as violações nem oferecer soluções para cada caso, trata-se de tomar consciência do valor de cada pessoa e da dignidade que a precede:  “o respeito pela dignidade de cada um é a base indispensável para a própria existência de qualquer sociedade (…)”.

CONSERVADORES RESISTENTES

EWTN E NATIONAL CATHOLIC REGISTER

Tais como os primeiros, estes também defendem a Igreja, o magistério e a hierarquia. Contudo, acreditam ter o direito, e até a obrigação, de denunciar erros de importantes membros da Igreja. Alguns deles também fazem parte do episcopado ou do cardinalato. (3)

Na mídia católica americana o órgão de notícias e informações que mais se destaca é a EWTN (Eternal Word Television Network) que atinge muitos  milhões de fiéis católicos em todo o mundo.

Importante fonte de artigos sobre a Igreja é o jornal “National Catholic Register” (NCR) fundado em 1927 que nasceu com a missão de “fornecer uma perspectiva sobre as notícias do dia, vistas pelos olhos do Magistério”. Em 2011 foi comprado pela EWTN. Sua missão continua a mesma, mas se vê no direito de dar espaço para articulistas que fazem ressalvas ou criticam ações e pensamentos de proeminentes membros da hierarquia. Nem mesmo documentos da Igreja deixam de receber certas análises críticas.  

Por essa razão consideramos a EWTN e o NCR conservadores resistentes. Algo disso pode ser visto em 2 artigos que comentamos a seguir.

1. Dignitas Infinita e as Raízes de Dignidade Humana. Artigo do padre Raimundo J. de Souza, de 9 de abril de 2024.

Em comentário inicial ele afirma: “A exploração do que significa dignidade em diferentes contextos abrirá novos caminhos para discussão, apologética e evangelização”.

Observe-se que a primeira palavra destacada é discussão. Curiosamente lembra um artigo progressista no Ihu Unisinos onde se levanta a hipótese que a D.I. seria mais um documento para causar discussões e aprofundamentos sobre os temas abordados do que um texto magisterial.

Observação que fica mais clara quando se elogia a D.I. mas se acrescenta que ela se opõe a outro documento do Vaticano:

“Embora as seções que tratam de aborto, barriga de aluguel e ideologia de gênero não contenham nenhuma novidade, o texto de 8 de abril recebeu “elogios generalizados” de muitos comentaristas católicos que ficaram apreensivos depois que a declaração do ano passado, Fiducia Supplicans (sobre bençãos para “casais homossexuais irregulares”, se mostrou desastrosa”.

O autor também se queixa porque a Dignitas Infinita deixou de levar em conta frases mais contundentes ditas pelo Papa Francisco. Ele lamenta que: 

“Embora direta, a Dignitas Infinita não tenha citado alguns dos comentários do Papa (…) que comparou mulheres que abortam a mafiosos que contratam um assassino, ou disse que “hoje o perigo mais feio, é a ideologia de gênero”, que anula as diferenças”.

2. Artigo no NCR de Michael Winters: “ Documento do Vaticano sobre a dignidade humana estabelece barreiras teológicas”

Michael começa com um ponto importante:

“Dignitas Infinita (“Dignidade Infinita”) , o documento publicado segunda-feira pelo Dicastério para a Doutrina da Fé, confirmou algo que há muito é óbvio para a maioria dos católicos: o Papa Francisco não pretende derrubar os fundamentos do ensinamento moral católico. O que ele fez foi recalibrar a visão moral católica”.

Recalibrar? Ele explica.

“Já se foi o tempo em que questões relacionadas à teologia pélvica podiam dominar a imaginação moral católica. O ensino da igreja dirige-se aos pecados socioeconômicos e também aos pecados sexuais. Somos chamados a definir a nossa visão ética cristã olhando acima da cintura e para as necessidades dos nossos irmãos e irmãs, bem como considerando questões de significado bioético”.

“Esta é uma grande mudança, pelo menos para a Igreja dos EUA, uma mudança que levará uma geração para ser totalmente implementada e digerida. E exigirá disciplina por parte dos membros da Igreja, especialmente dos seus bispos, que devem perguntar repetidamente como o Papa faz: mas, e os pobres? E quanto às outras ameaças à dignidade humana? Ninguém está dizendo que o aborto não importa. A linguagem mais contundente do documento é dirigida àqueles que procuram ofuscar a questão. Mas o aborto não está sozinho.

Seguem mais elogios.

“Dignitas Infinita faz um trabalho magistral ao explicar os diferentes tipos de dignidade – ontológica, moral, social e existencial – e enraíza a ideia de dignidade na narrativa bíblica: “Nascido e criado em condições humildes, Jesus revela a dignidade dos necessitados e daqueles que trabalham. Depois, ao longo do seu ministério público, ele afirma o valor e a dignidade de todos os que carregam a imagem de Deus, independentemente da sua posição social e das circunstâncias externas” (parágrafo 12). A dignidade é intrínseca, não é “algo concedido à pessoa por outros” (parágrafo 15)”.

“Este último ponto permeia o texto: As ideias teológicas centrais de dom e graça são fundamentais para a compreensão das questões que aborda. “Nós não criamos a nossa natureza”, diz (parágrafo 9). “Nossa dignidade nos é concedida por Deus; não é reivindicada nem merecida” (parágrafo 11). “Para esclarecer ainda mais o conceito de dignidade, é fundamental salientar que a dignidade não é algo concedido à pessoa por outrem com base nos seus dons ou qualidades, de modo que possa ser retirada” (parágrafo 15). “A liberdade é um dom maravilhoso de Deus. Mesmo quando Deus nos atrai com a sua graça, fá-lo de uma forma que nunca viola a nossa liberdade. Portanto, seria um grave erro pensar que, distanciando-nos de Deus e da sua assistência, poderíamos de alguma forma ser mais livres e, assim, sentir-nos mais dignos” (Parágrafo 30)”.

“A aplicação mais importante e controversa do sentido de dádiva é esta:

“No que diz respeito à teoria do gênero, cuja coerência científica é objeto de considerável debate entre os especialistas, a Igreja recorda que a vida humana em todas as suas dimensões, tanto físicas como espirituais, é um dom de Deus. Este dom deve ser acolhido com gratidão e colocado ao serviço do bem. Desejar uma autodeterminação pessoal, como prescreve a teoria do gênero, além desta verdade fundamental de que a vida humana é um dom, equivale a uma concessão à tentação milenar de fazer-se Deus, entrando em competição com o verdadeiro Deus de amor revelado a nós no Evangelho”

O autor faz uma outra série de comentários elogiosos à D.I. Termina seu texto aprovando os limites teológicos que foram colocados e que não devem ser transpostos mas não deixa de dar uma sugestão à hierarquia e um apelo aos fiéis católicos. É uma crítica educada…

“Uma nota final. Ao contrário da maioria dos textos do Vaticano neste pontificado, a dimensão pastoral está largamente ausente deste documento. Este documento reconhece que não fornece respostas finais para todos os aspectos das questões que aborda. Ele fornece grades de proteção enraizadas na teologia católica. Algum dia poderia ser mais saudável se a Cúria Romana deixasse as questões de aplicação pastoral para as igrejas locais, mas esse dia está longe”.

“Entretanto, nós, católicos, não é aconselhável simplesmente descartar este documento como antiquado ou pior. Aborda a clivagem mais fundamental entre a nossa teologia e a nossa cultura, a lacuna entre uma teologia da graça e da gratidão e uma cultura do sofrimento. Construir uma ponte sobre essa lacuna exigirá muito boa vontade e muito trabalho duro”.

Notas:

  1. Os artigos foram aqui postados nas seguintes datas respectivamente. 1. 17 de abril; 2. 22 de abril; 3. 01 de maio; 4. 20.06. Para facilitar o leitor coloco aqui o link do primeiro: https://www.claravalcister.com/dogma/consideracoes-sobre-a-dignitas-infinita-1/
  2. Artigos que foram escritos em 2020. O link do segundo deles, que trata do conservadorismo é: https://www.claravalcister.com/igreja/correntes-teologicas-na-igreja-3-os-conservadores-resistentes-parte-1/
  3. Não encontrei artigos dos cardeais resistentes ao progressismo analisando a D.I.  Nem entrevistas. (Refiro-me aos cardeais que enviaram uma dúbia ao Santo Padre. Como se sabe eles pediram ao Santo Padre que respondesse sobre questões (dúvidas) referentes a certas mudanças que alguns querem fazer na Igreja e que acabariam por implicar em uma mudança quanto à objetividade da moral. Ora, parece-me, isto, de certo modo, é respondido na D.I. nela é  dito que há uma natureza humana imutável e há uma moral que é objetiva. Ponto importantíssimo para todos os que defendem o magistério católico. Por que nada disseram? Faltou algo?

São Eles: Walter Brandmüller e Raymond Leo Burke, com o apoio de três outros cardeais, Juan Sandoval Íñiguez, Robert Sarah e Joseph Zen Ze-kiun. Tampouco encontrei pronunciamento do cardeal Müller que tem feito críticas ao caminho sinodal e à nova moral do episcopado alemão.

  • A nomenclatura que uso no artigo é comum na Igreja e na mídia, mas, evidentemente é complexa e nem sempre reflete com precisão a realidade. Alguns pontos foram acrescentados por mim para tentar explicar melhor as correntes da Igreja.  Caso alguém queira fazer observações ou críticas, serão muito bem vindas. Por curiosidade lembro que o cardeal Müller disse a uma agência de notícias alemã que “não é de direita e nem de esquerda, é simplesmente católico.” E ainda que, ser chamado de conservador é um “insulto” … Outro ponto: tudo o que escrevo em meu site é de minha inteira e exclusiva responsabilidade. 
  • Os destaques em negrito foram colocados pelo claravalcister.com
  • Fontes:

Omnesmag.com – https://omnesmag.com/pt/recursos/analise-da-dignitas-infinita/.  

https://www.ncregister.com/commentaries/dignitas-infinita-and-the-roots-of-human-dignity – 09 DE ABRIL 24.

https://www.ncronline.org/opinion/ncr-voices/vatican-document-human-dignity-establishes-theological-guardrails

10 de abril de 2024

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